Flávio Gil: “O desafio maior é escrever sobre uma coisa que já toda a gente escreveu”

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O Infocul dá hoje início à publicação de uma longa entrevista com o actor, letrista e intérprete Flávio Gil. Abordando a música, a televisão e o teatro, damos a conhecer um dos melhores actores da sua geração. Nesta primeira parte da entrevista dedicada à música, o artista revela-nos em primeira mão dois espectáculos que tem preparados.

 

Flávio, a música é uma componente importante da tua faceta enquanto artista. Para além de escreveres também cantas. O que é mais desafiante?

 

É cantar. Eu não sou cantor. Portanto proponho-me a cantar porque gosto de o fazer, porque ser actor me obriga a ser um intérprete, e normalmente canto sempre no contexto dos espectáculos em que estou integrado, sobretudo nas revistas e no teatro musicado. Mas é mais difícil para mim cantar do que escrever, ou pelo menos mais desafiante. Mais difícil não será, mas sim mais desafiante por ser aquilo que estou menos preparado. Mas é uma coisa que gosto de fazer.

 

 

Enquanto cantor, nas tuas actuações em público, cantas maioritariamente Fado. Mas cantas muito mais que Fado…

 

Sim, mas o Fado é onde me sinto mais confortável, depois quando fujo um bocadinho dessa minha zona de conforto, é em teatro, porque permite-me extravasar um bocadinho. Mas claro que o Flávio Gil não gostaria de cantar só Fado, é de facto a minha maior zona de conforto e onde me é dada mais oportunidades para cantar.

 

 

Um dos espectáculos onde tiveste oportunidade de cantar, foi no Dom Leitão, que é cada vez mais uma casa de fados de referência em Lisboa, e em que tiveste a companhia de José Gonçalez. Como correu?

 

Casa cheia, o José Gonçalez recebeu-me muito bem, é uma pessoa que está sempre preocupada com o conforto de quem recebe e fico-lhe muito grato pelo convite e foram duas noites óptimas.

 

 

Sei que terás em breve espectáculos em que irás cantar. Queres falar um pouco sobre eles?

 

Vou fazer a noite de Fado no Chapitô a 06 de Abril. Eu dirigi fado no Chapitô durante quase dois anos, e era uma coisa que eu gostava muito de fazer. Entretanto saí porque outros ventos chegaram ao Chapitô, ao Bartô em particular, e não ao Chapitô, e para mim é agora um regresso com muito carinho, é uma coisa pontual para já, talvez venha a ser mensal, mas para mim é muito grato.

 

 

E para ti é uma casa que te diz muito…

 

Sim.

 

 

Podes anunciar quem te vai acompanhar?

 

O Tiago Silva na viola e o David Ribeiro na guitarra portuguesa.

 

 

Neste espectáculo interpretarás apenas Fado tradicional ou viajarás também pelo Fado canção?

 

Inevitavelmente. Interpretarei os dois géneros.

 

 

Será apenas uma noite de Fado ou interpretarás algo mais para além de Fado?

 

Não. Não é o que se espera daquela noite interpretar outros temas que não sejam Fado

 

 

Para além desse espectáculo, o que podes revelar mais?

 

Estou a preparar um espectáculo meu, com um pianista, mas ainda não sei datas nem locais.

 

 

Quem será o pianista?

 

Óscar Pereira. Ele ao piano e eu na voz.

 

 

Será portanto um concerto muito intimista?

 

Muito, muito mesmo. Aliás como faz sentido. E ai o repertorio será mais diversificado. Ai será para correr mais riscos.

 

 

Só pela lusofonia ou não?

 

Vai ter temas em espanhol. Só para ficares mais curioso vai desde Cesária Évora ao Luis Miguel, passando por Isabel Pantoja, que é o meu capricho, Alcione, Marisa Monte.

 

 

Referes vários nomes internacionais. A nível nacional interpretarás por exemplo Amália Rodrigues?

 

Boa pergunta. Não vou cantar Amália. Vou incluir um ou dois fados, porque é inevitável e porque quero que esse concerto tendo o meu nome reflicta um pouco do que eu sinto, mas será uma parte pequena do concerto.

 

 

Enquanto letrista quais as tuas maiores inspirações?

 

Se for para escrever para revista por exemplo, o tema é a actualidade, politica sobretudo mas social também, quando é para fado, que é o que mais gosto de fazer e o que mais faço, embora haja ainda poucas coisas gravadas, mas algumas perspectivadas, parto sempre muito das emoções, tem sempre muito a ver com coisas que senti ou que estou a sentir. Não quer dizer que não escreva sobre Lisboa, de vez em quando, não quer dizer que não escreva de coisas mais afastadas do coração, mas é sobretudo ai que escrevo.

 

 

Sendo o Fado algo ligado à dor e à tristeza, é desafiante para ti escrever algo que não seja assim tão pesado?

 

Desafiante…A inspiração é uma coisa esquisita. Ou vem ou não vem. E depois quando vem a coisa corre bem, quando não vem é um problema. O desafio maior é escrever sobre uma coisa que já toda a gente escreveu, sem me repetir nas imagens e nas ideias. Esse é o desafio maior para quem escreve para Fado. Porque tudo está cantado. O amor já foi cantado de 300 maneiras diferentes e só tem 100. O desafio ao autor é não se repetir e não repetir outros.

 

 

O Fado é Património Imaterial da Humanidade. Como vês o surgimento desta nova geração de letristas, compositores e interpretes?

 

Vejo como há 30 anos as pessoas viam o aparecimento de pessoas que agora têm 50. Isto está sempre a acontecer, acho é que agora os olhos estão mais postos no Fado do que antes. Agora, se não tivesse havido sempre renovação e novas vozes, novas linguagens, o Fado não tinha chegado aos nossos dias, estava extinto. Nós assistimos agora porque é o nosso tempo, mas houve antes de nós e haverá certamente depois de nós.

 

 

Entrevista realizada n’“A Paródia- Cocktail & Wine Bar”, a quem agradecemos pelas facilidades concedidas.


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