Há lobos sem ser na Serra, um novo projecto constituído por músicos de rara sensibilidade, acabam de lançar o primeiro disco, produzido por Carlos Menezes, intitulado “Cantares do Sul e da Utopia”. O Infocul entrevistou o grupo para saber um pouco mais sobre o processo criativo, escolha de alinhamento e qual o objectivo que têm com este novo projecto.
Três músicos alentejanos, Buba Espinho, David Pereira e António Bexiga, juntam-se num espectáculo intimista, à volta das modas e canções que celebram a utopia e cantam este imenso território poético ao sul do Tejo.
Quando surge este projecto?
Em 2015, a partir de um convite do Festival Raízes do Som, em Évora, para nessa edição fazermos um espetáculo na sala da SOIR – Joaquim António d’Aguiar. O festival aconteceu em Abril e os temas da liberdade e da utopia apareceram com naturalidade.
Juntámos música e desenho digital ao vivo para ilustrar poemas velhos e novos que celebram estes conceitos.
A ideia inicial era de fazermos apenas um espetáculo mas começaram a surgir convites para fazer uma e outra vez e aqui estamos, com um disco que é o registo desse espetáculo.
Qual o principal objectivo do projecto relativamente aos cantares do sul de Portugal?
Primeiro que tudo, quando falamos de sul não estamos a referir-nos literalmente ao sul enquanto ponto cardeal, ou ao sul de Portugal mas sim aos povos do sul do mundo e os povos do sul são todos os que, independentemente da sua latitude, vivem esse imaginário poético.
No que diz respeito ao cante que apresentamos no disco e que nos habituámos a chamar de “Cante Alentejano” ele também é uma expressão desse imaginário poético e é tão plástico e elástico que permite muitas abordagens sem perder aquilo que lhe é mais característico, seja de um ponto de vista mais técnico ou poético.
Este cante aparece em “Há Lobos sem ser na serra” [nome inspirado numa moda alentejana] de forma natural, seja pela proveniência dos membros do grupo, alentejanos ou a viver no Alentejo, seja pelo percurso artístico de cada um.
Interpretamos o cante de várias formas, tendo a nossa criatividade, capacidade técnica e gosto pessoal como limites. Somos pela liberdade criativa.
Os nossos objetivos passam, em primeiro lugar, por fazer música que nos dê prazer ouvir, executar e partilhar e depois, se pudermos divulgar um pouco deste património imenso que é o nosso cancioneiro, desde as modas antigas às mais novas, em abordagens mais e menos tradicionais, ficamos muito felizes.
Há novas roupagens dadas ao cancioneiro tradicional. Há riscos ao fazer isso?
Talvez o risco seja maior se não se fizerem abordagens diferentes ao cancioneiro. O cancioneiro tradicional é um pouco como uma fotografia, é um registo de um determinado momento ou um instantâneo roubado ao tempo sob uma determinada perspetiva. Há sempre o que fazer com o cancioneiro, seja tentar reproduzi-lo da maneira que se encontra mais “fiel”, seja virá-lo do avesso para o recriar e reinterpretar, ambas as perspetivas são válidas e devem coexistir, temos todos a ganhar com isso.
Qual a importância de terem Carlos Menezes, um artista de rara sensibilidade, a produzir o vosso disco?
O Carlos Menezes é um amigo e companheiro de estrada, com quem partilhamos alguns projetos.
Gravámos no estúdio do Carlos, em Évora e, desde logo, tivemos presente que queríamos registar os temas quase como se estivéssemos a tocar ao vivo, ou seja, com pouca edição e tendo em atenção os timbres e dinâmicas das vozes e dos instrumentos.
O Carlos foi uma ajuda preciosa na perseguição destes objetivos e acabou por nos ajudar a fazer muitas das escolhas que estão no disco.
Participou ainda como músico num dos temas [Passarinho prisioneiro].
Este disco é também do Carlos.
Qual a principal mensagem deste disco?
Está escrita na dedicatória do disco e é dita numa das modas. “Aos povos do sul, de Portugal e do mundo, que continuam a cantar e a sonhar um futuro mais justo e próspero, onde possamos caber todos, sem dress code”.
Já a faixa n.º 2 diz o seguinte: “Que bonito que seria / Se houvesse compreensão / Os Homens não se matavam / E davam-se como irmãos” – esta é do cancioneiro tradicional e é intemporal mas, no contexto em que vivemos, faz ainda mais sentido enquanto proposta de reflexão.
Ao ouvir o vosso disco há um tema que surpreende. “João Brandão” tem uma letra triste, contudo a melodia é alegre. Não há aqui uma contradição? Ou é propositada?
A melodia é tradicional, o arranjo é nosso. No que diz respeito à melodia, poderá ter a ver com esta característica do Alentejo que é a de suavizar ou mesmo rir da sua própria desgraça. É a ironia alentejana.
De qualquer das formas, uma moda ritmada não quer dizer que seja alegre.
Há vários exemplos no cancioneiro, não só alentejano, de modas que contam histórias tristes e são mais ritmadas.
Para quem ainda não ouviu o disco, como convidam o público a ouvir e comprar o disco?
Temos 11 canções, entre modas tradicionais e de autor, que falam de liberdade e de utopia, numa proposta única de uma sociedade mais justa e próspera.
A voz e a viola campaniça, com abordagens mais e menos tradicionais, são os elementos centrais nos arranjos. Juntam-se-lhes percussões tradicionais e inventadas, guitarras folk e slide, ou mesmo um piano e um contrabaixo num dos temas.
O disco é o registo áudio de um espetáculo que é audiovisual por isso quisemos que a imagem fosse também um dos elementos fortes neste disco. O design e as ilustrações da Cristina Viana tornam o disco físico num objeto bonito, que apetece manusear.
Em termos de espectáculos o que já pode ser anunciado?
Estaremos no dia 17, dia do lançamento digital, na TV Galiza para tocar ao vivo no programa “Luar”, no dia 18 na sala Crechas em Santiago de Compostela, depois seguiremos para a Catalunha para tocar no Festival Barnasants, no Harlem Jazz Club de Barcelona no dia 30 de Março e no dia 31 seguiremos para Girona para um concerto no Festival Acoustic Velt. Pelo meio teremos uma apresentação possivelmente em Lisboa e um concerto ao vivo no programa Viva a Música da Antena 1.
Abril e Maio terão também alguns concertos que estão agora em fase de confirmação.
Onde pode o público interagir convosco e conhecer melhor o vosso trabalho?
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Podem acompanhar o nosso percurso e ainda seguir o nosso trabalho em vários projetos individuais e coletivos.