Ricardo Ribeiro conquistou o público eborense, este domingo, com um concerto grandioso na Praça do Giraldo, como aqui já demos conta. Mas antes, pela tarde, esteve à conversa com o Infocul sobre este espectáculo, inserido no Artes à Rua, e também sobre o Alentejo. Uma viagem pelas memórias do fadista lisboeta que não esconde o amor pela Terra Dourada.
Ricardo Ribeiro começou por me lembrar que “já nos conhecemos há algum tempo e já vais sabendo o que vou dizendo e fazendo”, mas logo explicou que “o Alentejo tem para mim uma importância muito forte porque…eu não sei explicar. É como amar alguém, não é?! É uma terra pela qual eu tenho uma ternura um amor, uma paixão, que eu não sei explicar o que é. Eu sei que passo a margem do Tejo para baixo e tudo muda! É uma sensação de paz interior, de culto da beleza, da força da terra, da força das pessoas, que me fascina”.
Com uma agenda repleta de concertos, não deixa de assumir que “vir actuar ao Alentejo é sempre um motivo de muita felicidade, venho sempre muito feliz”, mas Évora é um local especial, até porque “tenho aqui uma das minhas melhores amigas, que é a Inácia, somos amigos há muitos anos, é das pessoas mais importantes da minha vida, em termos de amizades. Há aquelas pessoas que nos aparecem na vida para nos fazer crescer e nos tornar melhores pessoas, e é o caso da Inácia e da sua família. Venho muitas vezes a Évora mas vim cantar a Évora também para que ela me oiça, porque sei que ela gosta muito de me ouvir cantar”, falando assim da dona da afamada, e irresistível diga-se, Fábrica dos Pastéis.
O Alentejo e Ricardo Ribeiro “é uma comunhão muito interessante”, até porque, assume o fadista, “o Alentejo mexe muito comigo e fico muito feliz de vir cantar a Évora”.
Habituado a actuar perante públicos muito distintos, quer em termos nacionais quer internacionais, diz que “não creio” que o público alentejano seja difícil, explicando que “é um público particular e porquê? Para já havia uma tradição há muitos anos de que quando se ouvia o cante não se batia palmas, portanto há uma certa idiossincrasia, se quiseres, e é importante estar atento a esses pormenores. Eu cada vez que venho ao Alentejo não me queixo porque eles são muito expansivos. O povo do Alentejo é muito curioso, talvez porque sejam iguais à Terra. São muito de… não é de extremos porque extremo é uma exepção e não uma norma, mas ou gostam de ti ou não gostam. Respeitam-te. São muito francos. E isso é uma coisa que eu adoro. A franqueza das pessoas, sem se ser rude, que é uma coisa muito bonita. E eu felizmente não tenho razões de queixa relativamente ao público alentejano, muito pelo contrário”.
Actualmente quase todo o público já conhece, e canta, o Fadinho Alentejano. Este tema que foi gravado com os Ganhões de Castro Verde, levou Ricardo Ribeiro a todos os Alentejanos e trouxe o Alentejo a todo o país. O sucesso foi por demais noticiado, traduzindo-se em visualizações, partilhas e até versões do tema. O fadista assume que não estava a espera do sucesso que o tema alcançou, “se bem que o tema é muito fresco, muito inocente. Não é uma coisa que estejas muito habituado ouvir-me cantar. É uma coisa muito fresca e inocente. E eu resolvi cantar também para trazer aos alentejanos, não que eles precisem porque são bem dispostos e estão sempre com uma graça, mas nunca pensei que fosse cair tanto nas graças dos alentejanos. Toda a gente canta o Fadinho Alentejano e eu fico muito contente”.
Para Ricardo Ribeiro, “a arte não é uma predefinição. Como também não tem regras, para mim. Tem características. Porque regras obriga a espartilhar e a arte é um principio de liberdade total”, revela, quando o questionei sobre o que tinha preparado para o espectáculo.
Estar no Alentejo, torna obrigatório uma abordagem à gastronomia regional. Para o fadista, que emagreceu 46kg, “a gastronomia alentejana é um portento. A gastronomia alentejana é qualquer coisa de extraordinária. Eu não possa cá vir muitas vezes senão engordo outra vez (risos). Vê bem, eu ontem passei mal a noite mas cheguei ali à Inácia e comi: uma empada de galinha, um pastel de toucinho, um folhado de vitela e um pastel de nata. Se fosse nos dias em que estivesse bem já tinha comido 4 pastéis de nata, três folhados e assim… Eu sou suspeito para falar na doçaria da Inácia porque somos amigos, mas não é por sermos amigos, é por ser a verdade e a verdade é a verdade e não há mais conversa!”, diz-nos num tom divertido, o mesmo em que decorreu toda a conversa que foi tendo connosco.
E por falar em gastronomia, veja bem o roteiro: “A comida aqui é uma coisa… As migas, a Açorda, a Carne do Alguidar, o Entrecosto… Jesus… É uma coisa de bradar aos céus! E a sopa de tomate é delirante”, dizia-nos o fadista, confidenciando que “depois do concerto tenho uma sopa de tomate, da Inácia. É a ceia para todos. Ninguém cozinha como a Inácia”, disse-nos, voltando a elogiar a responsável da Fábrica dos Pastéis.
Questionado sobre a primeira lembrança que tem do Alentejo, começa por assumir que “meu grande amigo…”, mas depois acrescenta que “foi aos 22 anos. Nunca mais me esqueci. Nunca mais me consegui libertar desta terra. Não te sei explicar. Sabes quando vês uma coisa demasiadamente bela? Não tens palavras para a descrever. Eu não tenho nada a acrescentar nem nada a tirar do Alentejo, é uma terra que obedece às leis das proporções. É elegante! É uma terra mágica. É uma terra com poder. Eu lembro-me de uma noite, essa noite foi a que mais me marcou na vida, ‘alentejanamente’ falando, em Serpa, eu estava na Praça da República, era verão, estava quente, um calor próprio. Sabes que a Praça da República tem aquelas casas altas, prédios é em Lisboa, todas alinhadas, e eu estava sentado, deviam estar para aí uns 30ºC, eu olhei para o céu e pensei que podia com a minha mão apanhar o céu. Era uma ilusão de óptica, eu sei. Mas aquilo marcou-me. Essa noite nunca mais me esqueço”.
O fadista continuará a digressão do disco “Hoje é Assim, Amanhã Não Sei” por todo o país e também em termos internacionais, além de outros projectos que vai integrando na sua viagem musical.