Rogério Charraz sobre o novo disco: “É um manifesto”

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Rogério Charraz tem novo disco, “Não tenhas medo do escuro” e em entrevista ao Infocul.pt falou sobre todo o processo de construção e concepção deste disco: desde a campanha de crowdfunding, aos convidados do disco, aos compositores, letristas, à mensagem que pretende passar e claro uma análise à industria musical em Portugal.

 

Neste novo disco, composto por onze canções, todas compostas por Rogério Charraz excepto uma em parceria com Júlio Resende, o artista conta com letras de José Fialho Gouveia, Joana Correia, Maria Ermelinda Morgado, Filipa Martins e Rogério Perrolas.

 

 

Num disco carregado de Portugalidade, bem escrito e bem composto, Rogério Charraz conta ainda com convidados de luxo: António Caixeiro, Buba Espinho, Eduardo Espinho, Edu Miranda, João Gentil, Júlio Resende, Katia Guerreiro e Marta Pereira da Costa. Para o conseguir apresentar ao público, efectuou uma campanha de crowdfunding que teve 103% de êxito. O espectáculo de apresentação será no Cinema São Jorge em Lisboa a 26 de Maio.

 

 

Fique de seguida com a entrevista na integra a Rogério Charraz.

 

 

Quando começaste a pensar na concepção deste disco?

 

Olha foi por esta altura, do ano passado, e o gatilho que despoletou isto tudo foi a canção “Não Tenhas Medo do Escuro”. Foi a primeira que fiz com o José Fialho Gouveia, ele enviou uma série de letras, eu olhei para aquela letra e fiz a canção. E confesso-te, dai o titulo do disco, que foi numa altura mais descrente, em que as coisas nem sempre correm como a gente quer, estava numa fase mais sombria, e quando fiz essa canção, cheguei ai fim e pensei ‘é isto que que eu quero fazer’, porque é este mais ou menos o conceito, a sonoridade e eu tenho que gravar isto e um disco novo.

 

 

Num disco em que contas com muitos convidados, quando começaste a pensar no convite aos mesmos?

 

Eu tenho sempre muitos convidados no disco, é verdade, mas eu nunca penso nos convidados do disco. São sempre canção a canção, à medida que vou compondo e fazendo o arranjo, e aquilo que as canções me pedem. Por exemplo esta senhora que aqui está [Kátia Guerreiro estava perto de nós no momento da entrevista] foi assim, eu fiz o arranjo e pensei ‘isto precisa de uma voz feminina para dividir isto comigo’, e lembrei-me automaticamente da Katia. Este disco tem coisas muito curiosas, por exemplo o Júlio Resende. A participação do Júlio Resende eu fiz algo que nunca tinha feito com ninguém, que foi entregar-lhe só a melodia da minha voz, sem nenhum instrumento, nenhuma harmonia e disse-lhe ‘com a minha voz faz aquilo que quiseres. Ele é brilhante e depois era uma canção muito especial para mim. E foi assim que foram surgindo os convidados, sendo que todos eles têm uma coisa em comum, são pessoas que admiro e gosto muito.

 

 

Para apresentares este disco recorreste a uma campanha de crowdfunding. Foi uma opção tua ou a falta de aposta das editoras levou a teres essa atitude?

 

Sim mais por ai obviamente. Se tivesse o apoio de uma editora se calhar pensaria duas vezes mas o que é facto é as editoras que continuam a não ligar nenhuma ao meu trabalho, por muita divulgação que eu tenha, por muito público que eu vá ganhando, por muita visibilidade que o meu trabalho vá tendo, as editoras continuam a não querer trabalhar comigo. E não por falta de vontade minha, mas também te confesso que daquilo que tenho ouvido de alguns colegas que têm assinado por grandes editoras, as condições que lhes são dadas, acho que cada vez mais actualmente não faz sentido assinar por uma grande editora. A campanha de crowdfunding tem uma enorme vantagem, é que elimina barreiras entre os músicos e o público, deixa de haver intermediários. É o meu publico que está a apoiar a minha música e que está a contribuir para que eu possa gravar o disco. E eu gosto dessa relação directa. Eliminam-se aqui uma série de intermediários que muitas vezes atrapalham mais do que ajudam.

 

 

Nessa campanha atingiste 103% de êxito. Como sentiste ao ultrapassar o objectivo? Estas à espera?

 

Não, confesso que não. Senti-me aliviado acima de tudo. Porque atirei-me assim um pouco à loucura, a própria plataforma disse-me que era um valor ousado, para aquilo que é a média das campanhas de crowdfunding em Portugal, e pelo caminho, que durou um mês e duas semanas, houve várias fases em que eu achava que não ia conseguir, mas depois as pessoas gostam de guardar tudo para o fim, mas acima de tudo senti que devia fazer isto, as pessoas estavam comigo, as pessoas queriam que este disco acontecesse e que fosse uma realidade, portanto foi um incentivo maior para continuar a trabalhar.

 

 

Os teus fãs que interagem muito contigo no Facebook, onde continuas a aumentar o número de “gostos”. Ao teres o reconhecimento do público, não te custa que a industria musical não te acompanhe nesse reconhecimento?

 

É daquelas coisas…Posso achar mas é indiferente o que eu acho. Não muda a realidade nem as estruturas. As estruturas não são apenas as editoras, os promotores de espectáculos…Eu acho que há uma falha grave no mundo da música: as pessoas estão pouco atentas aos artistas emergentes. Normalmente é preciso tu estalares e teres um sucesso daqueles em que não há como não te conhecerem, para as pessoas como editoras e promotores de espectáculos perceberem ‘ah está ali aquele tipo que faz aquilo…’. Eu sinceramente, se parasse muito tempo para pensar nisso, ficava deprimido e não fazia nada. E eu fiz três discos sem qualquer tipo de apoio de editoras, sem qualquer apoio de estrutura nenhuma e a minha resposta quanto a isso é fazer discos, continuar a trabalhar, ter cada vez mais pessoas a apoiar e a gostar e vou criando um sucesso que é mais difícil porque não tenho grandes estruturas, mas as pessoas que conquisto são daquelas que ficam e que são persistentes e acompanham fielmente o meu trabalho e eu faço questão de nas redes sociais lhes responder sempre, estar sempre atento, porque eu não gosto da distância entre o público e os artistas.

 

 

Neste disco qual a principal mensagem que tentas transmitir ao público?

 

É um manifesto. Esta frase é um manifesto. Tal como eu te disse, quando comecei a fazer este disco, foi uma altura sombria para mim e em que coloquei em causa muitas coisas, entre as quais continuar ou não a fazer discos e apostar. Depois quando fiz esta canção e comecei a ver as coisas a crescer, disse para mim mesmo ‘não tenhas medo do escuro, há fases mais sombrias, menos sombrias…’mas ao mesmo tempo é também uma frase para o mundo inteiro. A palavra medo voltou a estar muito nos nossos dias, é o terrorismo, é o medo de perder o emprego, é o medo dos governos, é o medo de muita coisa. As pessoas hoje em dia vivem cada vez mais com medo, e acho que já tivemos melhor nesse aspecto e é uma forma de eu dizer às pessoas ‘não tenham medo do escuro, vamos embora’.

 

 

Na composição das letras, uma das qualidades deste disco na minha opinião, tens um nome que se destaca: José Fialho Gouveia. De quando vem esta relação?

 

Vem de há muito pouco tempo, estas foram as primeiras canções que eu fiz com ele. Eu subscrevo o que tu dizes e estou a vontade para o fazer pois este disco só tem uma letra minha. Não fui eu que as fiz. Mas o José Fialho Gouveia foi uma pessoa muito importante porque o facto de ter começado a trabalhar com ele e ter feito estas cinco canções com ele e a qualidade que ele tem enquanto letrista, que na minha opinião está muito perto ou ao nível dos grandes deste país como João Monge, Carlos Tê, Tiago Torres da Silva…foi para mim um enorme privilégio poder ter alguém com experiencia, pois o José Fialho Gouveia já fez coisas com a Ala dos Namorados, o António Zambujo, muita gente boa. Poder fazer canções com ele foi um privilégio. Depois tenho algumas pessoas que já me acompanham desde o primeiro disco como a Maria Ermelinda Morgado, tenho um tema dela em cada um dos discos, a Filipa Martins que é uma romancista, que nunca tinha escrito para canções e fizemos pela primeira vez, o Rogério Pérrolas em que fiz esta canção para uma banda dele amadora, mas depois achei que queria gravá-la, depois para acabar isto, para surpresa minha, a minha própria mulher que nem eu sequer sabia que ela fazia letras, e foi uma experiencia fantástica. São letras que não sendo minhas, eu tenho enorme orgulho nelas e cantá-las é uma felicidade.

 

 

As composições são todas da tua autoria, excepto a que partilhas com Júlio Resende…

 

Achei que fazia sentido partilhar a composição com o Júlio, ou os créditos da composição, porque fizemos isto de uma forma que eu nunca tinha trabalhado com ninguém. Aquilo que eu fiz com o Júlio, porque era uma canção muito especial dedicada à minha mãe, foi, porque achei que esta canção tinha uma sensibilidade muito fora do comum, lembrei-me do Júlio porque tem uma sensibilidade fora do comum, convidei-o e disse ‘vou enviar-te só a voz e depois vais vestir isto com o teu piano da forma que tu quiseres’. Dei-lhe uma liberdade, um músico como o Júlio que está habituado a improvisar e compor, eu não quis encaixotá-lo numa música e numa harmonia, eu confesso que emociono-me sempre que ouço aquela canção. Tem o coração dele por tudo o que é sitio.

 

 

Quais as datas que já podes anunciar de espectáculos de apresentação deste disco?

 

Temos o lançamento oficial para o público a 26 de Maio no Cinema São Jorge, em Lisboa. É das poucas vezes que toco em Lisboa, curiosamente sou das redondezas mas toco mais fora do que dentro da cidade, portanto vai ser uma felicidade. Optámos por só marcar este e aproveitar que agora com a fase da promoção apareçam convites. Eu tenho um enorme prazer em viajar pelo país, ainda por cima os convidados deste disco têm outra particularidade que não falámos à pouco: o Júlio é algarvio, os irmãos Espinho e o António Caixeiro são alentejanos, o João Gentil é de Cantanhede, a Katia Guerreiro cresceu nos Açores e tem uma grande costela açoriana, portanto há aqui uma grande representatividade do país, o Edu Miranda é brasileiro, portanto eu gostava que este disco fosse de norte a sul do país. Vamos aguardar e ver o que surge.

 

 

A ouvir este disco, não é possível definir-te num género musical. Tens muita portugalidade mas não um género definido. Dá-te prazer poderes abranger vários géneros?

 

Isso em parte tem jogado contra mim, da parte de alguma imprensa que diz que não abe onde me há-de encaixar, e algumas pessoas levam como algo negativo. Eu acho que acima de tudo é o reflexo daquilo que eu sou enquanto ouvinte de música e cansa-me profundamente ouvir um espectáculo com o mesmo estilo de música do início ao fim. Eu gosto de ouvir coisas diferentes, sonoridades diferentes. Eu ouço bossa nova, como um bom rock ou até pop. Eu tenho uma grande luta com as canções que é eu tento fazer um arranjo com aquilo que as canções pedem e não por obrigação.

 


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