Sandra Correia, os 10 músicos que a acompanharam e a convidada surpresa que estava na plateia, deixaram, ontem, o Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, em verdadeiro estado de encantamento.
A arte é (por vezes) ingrata mas consegue momentos de pura concretização emocional, que mais nenhuma área conseguiria. Nem sempre os mais talentosos são os mais reconhecidos, mas são sempre os mais talentosos aqueles que nos conseguem verdadeiramente emocionar.
Sandra Correia contou com muitos amigos, conhecidos e colegas na sala do Tivoli BBVA, que não apresentou lotação esgotada, e em palco apresentou um repertório que passou pelos seus 30 anos de percurso na música.
Homenageando Amália Rodrigues iniciou o espectáculo com ‘Fadista Louco’ e ‘Estranha Forma de Vida’, promovendo depois uma analepse temporal no seu percurso para nos levar ao início, no qual cantou com o grupo do seu pai, com os temas do cancioneiro tradicional português ‘Ó Ferreiro’ e ‘Laurindinha’, colocando o público a cantar consigo e a acompanhar com palmas.
Em palco contou com 10 músicos (Ângelo Freire na guitarra portuguesa, Pedro Soares na guitarra clássica, Marino de Freitas no baixo, Valter Rolo nas teclas e MixEnsemble) que estiveram irrepreensíveis durante todo o espectáculo, numa união intensa entre intérprete e músicos. Sandra Correia foi crescendo, aniquilando os nervos, sendo cuidada nas palavras e com grande emoção e gratidão dirigidos ao público. A sua interpretação foi qualitativamente extraordinária destacando-se numa perfeita dicção, uma divisão frásica bem conseguida e, mais importante, dando vida às palavras dos poetas que cantou. E no repertório há a destacar a mecânica de ir alternando as densidades emocionais servidas ao público, optando por um difícil mas bem conseguido equilíbrio entre a tristeza e a alegria, a dor e a conquista, o amor e o desamor, nunca abdicando da qualidade.
De Camões, com música de Alain Oulman e repertório de Amália Rodrigues, trouxe ‘Dura Memória’, homenageou o ‘seu’ bairro Alfama (sendo natural do norte, tem um grande amor pelo bairro onde actualmente vive e canta todos os dias) com ‘Alfama não envelhece’, no qual colocou de novo o público a cantar no refrão, em mais uma festa (das várias ao longo da noite). Aliás, Sandra Correia foi promovendo esta ginástica emocional ao público, foi-lhes dando a saborear de tudo o que a vida tem, e a música por suposto, e ao mesmo tempo foi valorizando a importância de algumas das pessoas presentes na plateia quer no seu percurso quer na música portuguesa.
De ‘A Costureirinha da Sé’ trouxe ‘Um Adeus que me Esqueceu’ numa clara e assumida homenagem ao, também, seu Porto e recordando cantorias naquela cidade. Foi por entre essas recordações que trouxe ‘As rosas não falam’, de Cartola. Do seu disco ‘Perspectiva’ trouxe um poema, maravilhoso, de Florbela Espanca, ‘Quadras de Amor’.
Por entre os poetas que foi homenageando destacou Fernando Campos de Castro, marcou presença na plateia, e do qual destacamos ‘Sonhos Quebrados’.
Neste espectáculo merece destaque ainda a presença de Mário Pacheco, em dois temas nos quais demonstrou toda a sua sensibilidade e qualidade, a jovem Madalena Gil que deu uma verdadeira lição de interpretação (foi realmente bom) e ainda as interpretações de Sandra Correia em ‘Mãe Tristeza’ e ‘A Vida por Ti’. Sobre este último tema, da autoria de Ângelo Freire na letra e música, dizer que é um hino à vida, ao amor e ao caminho que, de diferentes formas possíveis, devemos percorrer. Estranho é as rádios ainda não o terem nas suas playlists e em ‘repeat’.
Sandra Correia fez ainda um encore, a pedido da plateia e após sonoro e prolongado aplauso, no qual terminou em festa e com cancioneiro tradicional português, num regresso às raízes.
Sandra Correia deixa-nos uma questão para pensarmos: até quando valorizaremos, enquanto sociedade, mais a notoriedade do que a qualidade?
Carlos Patinho assinou meritório e elegante desenho de luz, Cândido Esteves foi responsável pelo som e o concerto foi integralmente gravado. Valter Rolo e Lino Guerreiro assinaram a direcção musical deste espectáculo.
Texto: Rui Lavrador
Fotografia: Jonas Santos