Campo Pequeno: Em corrida de gala, triunfou o cavaleiro misterioso, na noite de ontem.
Texto: Rui Lavrador
Fotografias: Rute Nunes e Carlos Pedroso
Chegou ao fim a temporada tauromáquica no Campo Pequeno, em 2023. Esta sexta-feira, 8 de Setembro, realizou-se uma corrida de gala à antiga portuguesa, com cortejo evocativo das Touradas Reais do século XVIII.
Com a praça engalanada, nas entradas de sector, assistiu-se ao cortejo que contou com o Neto, os Pajens do Neto, os Pajens dos Cavaleiros, os Charameleiros, o Timbaleiro, os Porta-Estandartes e Alabardeiros, os coches com a respectiva tripulação (Cocheiros, Sotas e Moços de Tábua), que transportaram os cavaleiros actuantes e a mula das farpas, conduzida pelos Moços de Forcado (um dos momentos que mais fez vibrar o público).
Durante o cortejo foi realizado um minuto de silêncio em memória da mãe do cavaleiro Rui Salvador, recentemente falecida.
Seguidamente, após o cortejo, prestou-se homenagem aos rejoneadores D. Álvaro Domecq, António Domecq e Luís Domecq.
O cartel desta corrida foi composto por Luís Rouxinol, Pablo Hermoso de Mendoza, Duarte Pinto, Miguel Moura, Luís Rouxinol Jr., e Guillermo Hermoso de Mendoza, frente a touros de António Charrua. As pegas ficaram a cargo dos grupos de forcados amadores do Aposento da Moita e Cascais.
O Campo Pequeno contou com casa cheia, a rondar mesmo a lotação esgotada, naquilo que se pode considerar um fecho com chave de ouro.
Luís Rouxinol abriu as actuações esta noite e teve uma das melhores performances da sua temporada. O experiente cavaleiro, com uma regularidade exibicional assinalável, esteve num patamar de maestria e sentiu-se a gosto, diante de um touro que não causou complicações, ao qual faltou um pouco mais de transmissão. Bem a bregar, sortes desenhadas com suavidade, as reuniões a resultarem a preceito, rematando-as como mandam as regras. O ginete mostrou-se feliz a tourear, o público contente ficou com a qualidade apresentada. Muito bem, Luís Rouxinol, com destaque para um ferro comprido de enorme valor, mais dois ferros curtos de assinalável qualidade, uma brega com o cavalo Douro de muitos quilates e o par de bandarilhas como marca da casa.
Pablo Hermoso de Mendoza é um toureiro com forte ligação ao público português e tem uma equitação exímia. Tudo o que faz, executa com classe, tornando o difícil em fácil. Ontem, exibiu-se mais uma vez como excelente equitador, apostou num toureio frontal, respeitando a pátria do toureio a cavalo. Com Pablo, o público é levado para um outro nível de sofisticação artística, o problema é nem todos terem as papilas gustativas desenvolvidas para sabores mais requintados. Destaque para a brega, a elegância e o nível em que a sua quadra de cavalos se mostrou. Ainda, e sempre, um senhor.
Duarte Pinto teve, ontem, no Campo Pequeno, uma lide de muito bom gosto, correctíssimo em toda a actuação e muito seguro do que executou. Diante de um touro que não apertou muito, Duarte Pinto apostou numa concepção clássica como é seu apanágio, com muita pureza, sortes frontais e desta feita esteve com a mão acertada nos momentos das reuniões, resultando as mesmas em seu sítio. Soube rematar as sortes como mandam as regras. Uma das melhores lides que executou nesta temporada.
O triunfo da noite chegou com Miguel Moura. O dinástico ginete é um caso peculiar na tauromaquia, em parte devido à sua postura. Sorri pouco, tem um olhar denso e por vezes difícil de decifrar o que lhe vai na alma e em praça é muito sóbrio nos gestos e na ligação ao público. Não tem actualmente uma quadra de cavalos vasta nem de muito valor. Porém, faz milagres em todas assuas actuações. Encontra-se num momento artístico de profunda beleza, motivado, a gosto e o seu toureio é todo ele baseado em verdade, qualidade, conhecimento e primor. Ontem, deleitou o público de início ao fim da actuação, recebendo o touro com uma sorte gaiola extraordinária, aguentando firme após o touro parar a viagem e voltando a aguentar estoico quando o oponente investiu e daí partiu para uma performance de alto gabarito. Bem a bregar, melhor a escolher os terrenos, sortes desenhadas a régua e esquadro e as reuniões a resultarem cingidas. É um toureiro que tem de estar nos melhores cartéis, nas melhores praças e preferencialmente com o melhor público. O jovem Moura tem de ser acarinhado e valorizado.
Luís Rouxinol Jr. conseguiu uma boa actuação no Campo Pequeno, pese um forte toque na montada. O mais jovem Rouxinol das arenas tem vontade, garra e raça em doses generosas. Por vezes, deve ser mais equilibrado, diria que vai com demasiada sede ao pote, porque isso só o beneficiará. Destaque para dois ferros curtos de excelente nota, como o melhor da sua lide. No dia em que tiver mais vontade de desfrutar do que triunfar, conseguirá mais vitórias no seu percurso e subirá patamares no panorama taurino nacional. Reforço, teve uma boa actuação no Campo Pequeno, tem de cuidar mais dos pormenores!
Guillermo Hermoso de Mendoza fechou as actuações e a um nível muitíssimo bom, mesmo tendo um touro com pouca transmissão e muito parado na arena. Bem a lidar, elegância nos gestos, boa comunicação, qualidade nas sortes desenhadas e o público a reconhecer-lhe isso. Tivesse um touro com mais transmissão e poderio e a história seria outra, para melhor.
Noite feliz para os dois grupos de forcados actuantes, com maioria das pegas ao primeiro intento.
Pelo Aposento da Moita foram à cara Leonardo Mathias (ao primeiro intento), João Freitas (ao primeiro intento) e Martim Cosme (ao segundo intento).
Pelos Amadores de Cascais foram à cara Afonso Cruz (ao primeiro intento), Rui Grilo (ao segundo intento) e Carlos Dias (primeiro intento). Rui Grilo despediu-se das arenas, sendo fortemente ovacionado pelo público e recebendo caloroso abraço do cabo do grupo, Paulo Loução.
Os touros da ganadaria Charrua tiveram peso a mais, transmissão a menos, mas serviram na perfeição para o que era o objectivo desta corrida. Uma corrida mais de Arte, do que de risco. Mais de exibição, não tanto de afirmação, por parte dos toureiros. Volta autorizada ao ganadeiro, após lide do segundo touro da corrida.
Luís Miguel Pombeiro, empresário e responsável maior da Ovação & Palmas, desenhou a melhor temporada desde que organiza corridas no Campo Pequeno. Elevou a fasquia e está, naturalmente, de parabéns. Porém, nem tudo foi perfeito e saberá certamente corrigir pormenores.
Corrida dirigida por João Cantinho, assessorado por Jorge Moreira da Silva e com José Henriques no cornetim.