“Estes são os Bandidos do Cante”, os foras da lei alentejanos que querem “fazer as maiores salas do país” e estiveram em Beringel, em espetáculo com Buba Espinho e Convidados, no dia 29 de março pelas 18h, no certame Sabores no Barro.
Entrevista: André Nunes e Diogo Nora
Fotografia: Diogo Nora
Por isso, estivemos à conversa com eles com as emoções à flor da pele, logo após o espetáculo, numa entrevista que expressa bem quem são. E são estes foras da lei que estávamos mesmo a precisar para passarmos momentos catárticos, em pleno Alentejo.
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Eles são um grupo de artistas jovens que são eles próprios e criaram a sua marca no panorama musical, concretizando uma lufada de ar fresco que vai contra a lei do genérico e comercial, têm uma identidade que percorre o seu próprio caminho com orgulho das suas raízes e qualidade musical nas letras e melodias.
Este novo grupo musical marca pelas suas interpretações, cujos temas são pessoais e humanos, atravessando gerações, falando para cada pessoa de forma diferente, mas impactante. As letras dos seus temas são tão acessíveis e empáticas, que vão a fundos na nossa psique que nem pensamos por vezes, como os sons que já perdemos na nossa infância. Ou, então, um amor que mais valia não ter começado, e assim tinha florescido numa bonita amizade e não ter acabado em desgosto e desaparecimento de ambas as partes.
São algumas das coisas que os Bandidos nos levam a pensar, e que agradecemos pela perspetiva com que nos fazem olhar para a vida, enquanto os ouvimos em rádios e streaming pela estrada da vida fora.
É a verdade das suas vozes que nos provoca a pensar que já passámos uma “história ou por uma situação semelhante”.
Por isto mesmo, e pela intensidade do espetáculo em que participaram, estivemos à conversa em ambiente de alegria e comemorações da alma alentejana de onde viemos, sendo também para onde queremos voltar: o nosso lar.
Os temas lançados, os objetivos futuros, as raízes, Beja, próximos concertos e as novidades musicais são apenas alguns dos temas que os Bandidos abordaram, numa entrevista profunda e que procura satisfazer a curiosidade dos seus fãs, e nossa.
Os Bandidos do Cante têm dois temas lançados, “Amigos Coloridos” e “Já Não Há Pardais no Céu”. Mas o que é que podemos esperar mais dos Bandidos?
Podemos esperar uma linha muito jovem sem nunca esquecer as nossas tradições. Nós vimos do Cante Alentejano, nunca vamos esquecer isso. Mas queremos ter a nossa marca e que as pessoas nos ouçam e digam: “Estes são os Bandidos do Cante.” Não queremos ir atrás de um estilo já feito. Queremos criar o nosso próprio estilo e criar a nossa própria marca, digamos assim.
Que dificuldades é que sentem ou sentiram antes de lançarem estes dois temas para conseguir chegar ao público em geral? Uma vez que o Cante, podemos dizer, costumava ter um público mais fechado. Mas agora passam na rádio, têm muita gente que “já vos idolatra”, entre aspas. Quais foram as dificuldades que sentiram para conseguir passar essa barreira?
Eu acho que não houve assim grandes dificuldades. O que houve foi muito trabalho, muita humildade e respeitar o processo. As pessoas, muitas vezes, não sabem o que está por detrás de lançar uma música, de criar um conceito para um concerto, de criar uma imagem para um grupo. Isso foi tudo trabalhado, foi tudo pensado.
E nós juntámo-nos com o Eduardo Espinho, que foi quem produziu estas duas músicas. Ele também é de Beja. Quisemos uma pessoa com uma identidade parecida à nossa, com boas referências musicais, com bom gosto. E tentámos criar algo único, baseando-nos naquilo que é o Cante Alentejano, que são as nossas vozes e as harmonias que nós fazemos. Tentando levar isso para um estilo mais atual e moderno, para que todas as pessoas se identifiquem um pouco também com as letras e aquilo que nós dizemos.
São músicas do Jorge Benvinda, essas duas. Também de uma pessoa da nossa terra que nós gostamos muito. E tentámos modernizar à nossa forma e fazê-lo bem.
Vamos ter agora Bandidos na Ovibeja e também em Alter do Chão em abril. E para além destas duas datas, onde é que vos vamos poder ver após isso?
Nós, em abril, temos muitos concertos. Também devido aos festejos do 25 de Abril, há muitas festas e a agenda está muito preenchida.
Dia 24 vamos estar em Portel. 25 de Abril, se não estou em erro, em Mértola. Dia 26 em Alter do Chão, com os D.A.M.A.
Mas começamos antes: 6 de abril vamos a Alvalade do Sado. 12 de abril vamos a Ponte de Sor. E 1 de maio temos a Ovibeja. E dia 3 de maio temos a Semana Académica de Faro.
Falando aqui deste dia de hoje, deste concerto de hoje. Quem são os Bandidos do Cante quando vão acompanhar o Buba a um Coliseu ou quando atuam no 25 de Abril ou quando vão à Ovibeja? Ou seja, quem são esses Bandidos do Cante em certames e quem são os Bandidos do Cante hoje, aqui em Beringel, o mais puro que pode existir?
Eu acho que a nossa marca é essa. Nós somos puros em qualquer sítio que seja. No café com amigos, no Coliseu com milhares de pessoas a ver-nos, no Meo Arena com os D.A.M.A., com 13 ou 14 mil pessoas a ver-nos.
E nós somos isto. Nós somos esta imagem que passamos no palco que somos aqui fora. E tencionamos ser isto para o resto das nossas vidas. Quer haja Bandidos do Cante ou não. Esta é a nossa imagem a nível pessoal e vamos mantê-la. Sempre.
Ainda falando desta festa, para vocês, Bandidos do Cante, o que significa estar aqui em Beringel, voltar às vossas raízes, num concerto tão simples, mas tão grande como foi hoje?
É um momento fantástico. Nós já fazemos isto há muito tempo. Antes até de sermos Bandidos do Cante, já fazíamos aqui os Sabores no Barro como amigos do Buba, como amigos do Caixeiro, como amigos do Zambujo e do Bruno Chaveiro.
Éramos todos amigos deles e ainda não tínhamos este projeto. Isto para nós é fantástico. É um palco importante e a que nós damos muito. É um lançamento aqui, começámos muito aqui até chegarmos à Ovibeja que, como é óbvio, é o nosso Coliseu.
O convívio e a irmandade que criámos aqui é uma coisa muito especial e muito importante para todos nós. É sempre um ambiente excelente quando nós vimos cá. Fazemos isto por amor, aqui não há cachês e não há nada dessas coisas. É puro, é o que nós sabemos realmente fazer, sentir e passar para as pessoas e, estar em convívio e aproveitar todos juntos. Porque acho que o mais importante da música é ela ser partilhada e ouvida por toda a gente.
Por acaso, há um bocado estávamos ali a cantar e em conversa com o Buba. É muito engraçado porque este projeto, ao fim e ao cabo, começa muito em Beringel. Porque nós fomos convidados pelos D.A.M.A. para fazer a canção “Casa” com o Buba. O primeiro dia foi aqui, em Beringel. Tínhamos um amigo que tem uma casa cá, primo do Guima, nosso manager, e fizemos duas sessões numa casa aqui e aí é que começou a maquete do tema “Casa”, ainda não existiam os Bandidos. Aqui em Beringel.
Então podemos dizer que Beringel é a vossa terra-mãe. Têm duas músicas lançadas. Estão a preparar mais? Já há alguma próxima a sair?
Muito mais. Tencionamos lançar mais uma ou duas. Ou três, não sabemos. Depende muito do nosso grupo. Mas temos uma ideia certa: lançar um álbum ainda este ano e fazer a nossa produção própria no teatro Pax Julia, em Beja, no final do ano. Na nossa cidade, com as nossas pessoas. E criar a nossa mística.
E, com certeza, vai correr bem.
Quem é a vossa maior inspiração?
Nós somos muitos. Acho que o Cante é uma inspiração para todos. Foi de lá que viemos e aprendemos a cantar com os mais velhos, o que é o Cante.
O meu avô cantava no grupo coral. O Kiko formou um grupo com 14 anos. Nós já estamos nisto há muito tempo. Às vezes, as pessoas não sabem disso. Eu tenho 30 anos, eles também já têm 20 e tal cada um. E já andamos há mais de 10 anos nisto.
O Cante é uma inspiração. Mas temos outras referências: o Pestana adora a música dos anos 80, eu ouço outras coisas mais jazz e música de improviso, o Miguel e o Kiko adoram música espanhola. Essa junção de todas essas referências ajuda muito no processo de criação.
Nós, Infocul.pt, já vos fizemos a acompanhar o Buba no Coliseu, já vos fizemos acompanhar os D.A.M.A. no Meo Arena. É vosso objetivo também conseguirem encher essas duas salas, ou querem fazer mais algo fora, mais outsider, para conseguir cativar este público? E trazer as pessoas, neste caso, “de Lisboa” para cá, para o Alentejo, para conhecerem também?
Eu acho que isso é uma missão de todas as pessoas que são daqui. O objetivo é trazer as pessoas para aqui, mostrar a nossa gastronomia, mostrar a cultura.
Beja é uma cidade muito rica, que eu acho que tem muita coisa para dar, e nós somos pioneiros nisso e trabalhamos por isso todos os dias, na parte artística. Existem outras artes sem ser a música, e eu acho que Beja tem muito para dar. Beringel é um exemplo disso.
Mas quando nos perguntas, “querem fazer o Coliseu ou o Meo Arena?”, é óbvio que nós queremos fazer as maiores salas do país, já tivemos o privilégio de atuar em todas, mas queremos fazê-lo a título individual. É óbvio que é o nosso objetivo, mas somos pessoas muito pragmáticas e tentamos programar as coisas passo a passo, caminho a caminho, e com o nosso esforço, de certeza que chegaremos um dia a esses palcos a nível individual.
E poder levar para fora também. Acho que há um trabalho não só dos Bandidos do Cante, mas do Buba Espinho, do Luís Trigacheiro, do próprio António Zambujo. Eu acho que esse trabalho já foi feito com o Fado, em termos de divulgação no mundo inteiro.
A Mariza correu o mundo inteiro a cantar Fado, e eu acho que é mesmo a nossa obrigação mostrar o que é o Cante e estas raízes, que são uma coisa absolutamente única, e tentar levá-las o mais longe possível, para fora do país também.
A minha última pergunta: preferem atuar aqui, que é a raiz, o cerne da questão, no Alentejo, ou preferem atuar numa grande sala de Lisboa ou Porto?
Onde nós nos sentirmos bem é a nossa grande sala. Eu tenho falado muito com eles, e eles sentem o mesmo que eu. O nosso Coliseu e a nossa Meo Arena é estarmos no palco principal da Ovibeja. Esta é a nossa cidade, este é o nosso grande palco, e este é o grande sentimento que nós temos de estar ali. E Beringel não é diferente. Foi aqui que começámos, é aqui que nós temos as nossas raízes, é aqui que temos grandes amigos.
E para nós, neste momento, estar no Coliseu ou estar em Beringel é absolutamente igual, desde que nos tratem bem, desde que nos recebam, desde que possamos mostrar aquilo que somos, as nossas raízes, a nossa música, o que é ser alentejano, nós estamos bem em qualquer lado do mundo. Não há preferências.
Lançaram um tema vosso que teve muito sucesso. Vocês começaram com algumas colaborações, mas também com um grande tema, que, pessoalmente, gostamos bastante e adorámos ouvir hoje, que é “Amigos Coloridos”. Vamos deixar-vos um bocadinho mais desconfortáveis ainda. “Amigos Coloridos” é uma experiência pessoal vossa? Existem essas amigas coloridas?
Não.
(Risos)
Mesmo que fosse verdade, neste momento, admitiria que não.
(Risos)
Esta é uma história de um grande amigo nosso que nos deu esta canção, que é o Jorge Benvinda. Ele, lá com os seus botões, no seu quintal, escreveu esta música. Deveria estar a passar mal de amor, de certeza.
(Risos)
E nós tornámo-la, digo eu, fresca, audível, atual, e as pessoas identificam-se porque toda a gente já passou por esta história ou situação semelhante.
E nós sentimos que esta história é de todos. Não é procurar um lado da moeda, não. É simplesmente… toda a gente já passou por isto. Seja uma mulher, um homem, qualquer pessoa.
E quando nós estamos a passar uma situação que é verdadeira, e que as pessoas se identificam com isso, eu acho que é uma mais-valia. Nós tentamos sempre passar a verdade, quer na nossa música, quer nas nossas vozes. Esse é o objetivo.
E agora a última pergunta. Como foi passar do anonimato para começarem a ser reconhecidos, tanto individualmente como em coletivo?
Acho que nós tivemos um percurso diferente. Este grupo, os primeiros três concertos que fez foram um Coliseu do Porto e dois Coliseus de Lisboa. Nós não estávamos à espera, o grupo foi criado mesmo por isso. Pensámos: “Temos que dar um nome a isto. Vamos dar seguimento.”
E, respondendo à pergunta, foi muito rápido, foi muita informação em pouco tempo, e tivemos de nos adaptar muito rapidamente a todas as situações, inclusive a uns aos outros, porque uns de nós conheciam-se mais do que outros.
Mas estamos num bom caminho, sabemos respeitar-nos todos uns aos outros, e isso é muito importante. E eu acho que vai dar certo. Completamente.