Vivemos tempos em que o desejo parece ter-se tornado o substituto do afeto. Desejamos como quem tenta preencher um buraco — não porque precisamos daquilo que dizemos querer, mas porque nos falta outra coisa. Algo mais fundo. Algo mais antigo.
Muitas vezes, os nossos maiores desejos são apenas ecos dos nossos maiores vazios. Compramos, queremos, exigimos, colecionamos pessoas, conquistas, experiências. E dizemos a nós próprios que estamos vivos, que estamos bem, que é isto a liberdade. Mas, cá dentro, continua a ecoar um silêncio espesso — aquele que vem da carência, do toque que faltou, do amor que não ficou, da validação que nunca chegou.
E é precisamente aí que os desejos se tornam vãos: quando deixamos de desejar por verdade, e passamos a desejar por fuga. Fugimos de memórias, de abandonos, de nós mesmos. Mas nenhum bem material, nenhuma conquista social, nenhum corpo momentaneamente presente substitui a ausência original. Tudo o que conseguimos é o simulacro de saciedade. E quando o efeito passa, sobra-nos ainda mais vazio — o da ilusão somado ao da origem.
Querer por carência é cavar mais fundo no poço. Porque nenhum desejo realizado cura o que é afetivo, emocional, íntimo. O vazio não se tapa com ruído — tapa-se com silêncio ouvido, com presença genuína, com trabalho interior, com vínculo real. Mas isso exige tempo. E coragem.
Talvez o primeiro passo seja esse: parar de querer tanto, e começar a escutar o que realmente falta. Não para preencher com pressa, mas para acolher com verdade.
Só assim deixamos de andar à deriva em desejos que só nos afastam de nós mesmos.