A mais importante corrida do calendário taurino português foi uma desilusão. Santarém encheu-se de bons aficionados, em busca de uma tauromaquia emocionante, mas foram defraudados pelos maus astados da mítica ganadaria de Palha. A estes enfrentaram-se Luís Rouxinol, João Ribeiro Telles e Francisco Palha, que se sagrou triunfador da tarde, e os forcados amadores de Santarém e Montemor.

Corrida longa em tarde quente! Com quase quatro horas! Foram demasiados os tempos mortos, as recolhas dos toiros, os problemas do touril, o intervalo, etc… e a corrida, que começou com uma evidente expectativa por parte do público, acabou por se tornar num espetáculo soporífero, onde também os toiros não ajudaram. E, para mais, sem a entrada de gentes que se esperava. Em Dia de Portugal, de figuras e de uma ganadaria respeitadíssima, verificou-se uma entrada de somente dois terços.
A corrida começou tarde, como é habitual em Portugal. E foi ainda atrasada pela homenagem prestada pelas mais distintas entidades de Santarém, como a sua Câmara Municipal, a Santa Casa da Misericórdia e os próprios forcados amadores da cidade, ao cavaleiro Luís Armando Ferreira Vicente “Rouxinol”. Comemorava-se o seu trigésimo quinto aniversário como cavaleiro de alternativa, tirada naquela mesma praça a 10 de junho de 1987. E merecida. É ainda hoje reconhecido como um dos melhores toureiros da sua geração. A própria homenagem, por sua vez, não trouxe nada à corrida. Feita no seu princípio e não no fim, como deveria ter sido, retirou uma certa aura eufórica que se sentia na praça e o ritmo essencial para uma boa tarde de toiros. Enfim…
O espetáculo começou com a saída do Belo, no. 564, que foi o melhor de toda a corrida. Entre as suas muitas qualidades destaca-se a sua fijeza, olhando constantemente o seu oponente, a sua prontitude e os seus enormes terrenos. A sua lide, a cargo de Luís Rouxinol, revelou tanto de um como do outro. Destacam-se os dois primeiros ferros e o quinto, no qual houve emoção e verdade. O toiro, que se arrancava sempre de largo e de toda a praça, era alegre e nobre, rareando somente no humilhar e na fiereza que tanto agrada ao seu criador. Rouxinol, um veterano em todas as dinâmicas da lide, levou o toiro bem toureado, sempre consigo, e onde o queria. Mas a qualidade do toiro evidenciou o que faltou a Luís e a lide não teve o brilho superior que o toiro tinha para dar. E este esteve por cima do cavaleiro.
A pega, a cargo dos de Santarém, foi limpa e perfeita. António Queiroz e Melo templou o toiro, sozinho, e esperou. O toiro arrancou com alegria, a galope e a meia praça. O grupo fechou com facilidade, antes das tábuas e parou o toiro facilmente. Ainda que sem grande emoção, foi o protótipo de uma pega de caras.
A saída do segundo toiro foi atribulada. Por engano ou infortúnio, saiu à praça um toiro descornado do seu píton esquerdo, sem qualquer apresentação para sair a uma arena e que, notou-se, provocou alguma impressão nas bancadas. O lapso, muito pouco comum, poderá ter repercussões negativas na imagem da tauromaquia. Só não se compreende como pôde ter acontecido este acidente.
João Ribeiro Telles, a quem se notou um nervosismo evidente, e irrequieto, voltou rompante para receber o toiro à porta-gaiola, como pretendia fazer com o seu anterior. E lidou-o como pôde. O toiro, com o número 738 e cujo o nome não se anunciou, saiu distraído, com menos fijeza e a olhar demasiado o público. Dificultou a colocação que o cavaleiro pretendia e que lidou bem um toiro cada vez mais reservado. Defendia-se, arrancava somente em curto e para fazer mal. E posto o ferro saía abanto e disparado para as tábuas. O cavaleiro, entre o seu nervosismo e um astado que dificultava, reagiu ainda às palmas desnecessárias do público e que distraiam, muito, o toiro.
Rematou com um ferro já forçado, que na anterior tentativa falhou, e que não teve qualquer brilho.
A pega deste toiro, pelo grupo de Montemor, foi executada pelo forcado Vasco Carolino. Colocou bem o toiro nos terrenos contrários e, sereno, citou de largo. O toiro arrancou curto, não dificultou, mas somente os segundos ajudas conseguiram pará-lo. Bem.
Em terceiro lugar saiu o Banderado, no. 420, para uma sonante sorte de gaiola de Francisco Palha. Estava confiante e notou-se pela sua atitude, muito torera, ante o seu oponente. A sua postura arrogante e desafiadora chegou ao público, com quem ligou desde o início. Os dois compridos, quase perfeitos, levantaram as bancadas, especialmente o segundo, numa sorte de poder a poder. O toiro, pronto mas distraído e abanto, não ajudou o cavaleiro. Palha mostrou o toureiro que é corrigindo os defeitos do toiro, lidando em curto e sempre presente. A um toiro que escarvava e simulava o seu desinteresse, Palha cravou dois extraordinários ferros, o quarto e o quinto, que encheram a faena de interesse. E o cavaleiro, com mérito, brindou o público da maior praça do país com uma faena a um toiro que não tinha nenhuma qualidade de destaque ou consentia alguma benesse. E rematou com um extraordinário sexto ferro, num quiebro ao píton contrário rotundo, e que levantou a Monumental.
A pega coube a Francisco Cabaço, pelos de Santarém, que teve um trabalho hercúleo para pegar este toiro, à quarta tentativa. O toiro arrancava de largo, o suficiente para o compreender e reunir na perfeição, mas Francisco não o conseguiu entender. O mesmo sucedeu na segunda tentativa e na terceira, na qual a reunião era completamente impossível. A pega consumou-se com um último esforço, já carregado e em curto.
Luís Rouxinol regressou depois de um intervalo que retirou o andamento, já algo parado, da corrida. Ante o soar do cornetim saiu o Camarito, no. 927, muito parado e que não reagia. Faltou-lhe bravura e nobreza, sobrando somente a casta, e má, que empregava ao defender-se. A faena esforçada do homenageado teve pouco interesse, pouca vibração e nada do toiro, que ainda parava a meio das investidas e não tinha qualquer classe. Foi a menos e no final arrancava somente para se defender. E ante este infeliz sucedâneo ouviu-se a banda, sem qualquer razão para tal. O cavaleiro, tentando salvar a faena, arriscou um dos seus típicos pares de bandarilhas, que tampouco resultou dado um forte derrote do toiro. O homenageado, que veio a Santarém celebrar a sua enorme carreira, não levou mais que a gratificação da afición.
E eis que chegava a mais emocionante pega da tarde. O enorme Francisco Borges, colocado o toiro, citou de largo, com garbo e assentando bem os pés. Tudo parecia ser o pronuncio de uma pega perfeita se não fosse a forte arrancada do toiro e uma reunião quase impossível. O cara ainda tentou, já no chão, voltar à cara do toiro quando este investiu, mas a brutalidade do derrote não permitiu uma reunião capaz. O toiro, sem classe e sem humilhar, fez cair o forcado temerário. Ficou desmaiado no centro da praça, rodeado pelos seus companheiros e, já na maca, levantou-se e voltou à cara do toiro. Ante uma bronca descomunal do público, que não queria que o forcado tentasse uma vez mais, Francisco Borges carregou com todo o grupo sobre o toiro, pegando com alguma dificuldade e desmaiando novamente entre os seus companheiros uma vez consumada a pega. Reanimado naquele instante, foi ajudado pelo seu cabo a sair da cara do toiro, tendo ambos defendido bem o nome dos de Montemor.
Costuma dizer-se que “no hay quinto malo!” Nao foi o caso. O Peluquero, no. 999, foi manso. Teve uma saída alegre, com algum interesse, mas durou pouco e tinha pouca força. Saía disparado das sortes, completamente abanto, e ganhou crenças. A lide foi como o toiro, a menos, e João Ribeiro Telles teve uma enorme dificuldade em centra-lo. Toureou-o quase inteiramente a sesgo, ante o setor dois, e pouco ou nada conseguiu.
A pega deste toiro coube ao forcado Francisco Graciosa, que fez uma extraordinária pega, à segunda, e talvez a melhor da tarde. Citou de largo, calmo, é o toiro arrancou para se defender. Francisco aguentou o toiro, sozinho, até à chegada dos ajudas, que fecharam em sintonia e na perfeição. Mas foi, injustamente, pouco reconhecida pela afición presente.
O último toiro da corrida tinha um nome famoso, muito devido ao seu irmão e homónimo, vencedor do prémio de melhor toiro da temporada de Madrid em 2014. Saiu o Fusilito, no. 48, da linha Baltasar Iban e com uma presença diferente do resto da corrida. Era playero de cara, calcetero e bem feito. Enchia as medidas ao aficionado e deu a Francisco Palha a faena da tarde, cheia de emoção e bom toureio. A lide foi a mais e o toiro a menos. Não obstante, o cavaleiro soube levar o toiro e mostrá-lo. E com raça, novamente destemido e desafiante. Mas modesto. Considerou terminada a faena e, ao sair, deu-se o caso bizarro de o diretor lhe conceder a música. Notou-se na reação de Francisco a surpresa e incompreensão. Mas não perdeu a oportunidade e cravou, numa sorte de poder-a-poder, um extraordinário ferro com uma cambiada vistosa e muito arriscada. Foi o triunfador da tarde! E sem particular ajuda do seu lote, o que demonstra a boa fase em que se encontra.
Para findar a corrida o grupo de Montemor brindou o público com uma incompreensível pega de cernelha ante um toiro que tinha de ser pegado de caras. Para mais sem qualquer hipótese de resultar, uma vez que, como aconteceu, o toiro não conhecia o jogo de cabrestos e não encabrestou. A cernelha parecia impossível, o que levou os bandarilheiros a ajudar e um deles a ser colhido pelo toiro. Os cernelheiros António Pena Monteiro e Francisco Godinho viram uma excelente oportunidade de consumar a sorte e ajudar o herói caído, mas a pega não foi consumada senão à segunda tentativa, e sem história, dada a imobilidade do toiro quando agarrado.
Praça de Toiros de Santarém
3ª Corrida de Abono | Dia de Portugal
Dois terços de entrada.
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Toiros de Palha, de João Folque de Mendonça
De apresentação desigual, finos e bem armados
De comportamento mansos, exceto 1º, bravo e nobre.
⦁ Luís Rouxinol | volta e volta
⦁ João Ribeiro Telles | ovação e silencio
⦁ Francisco Palha | ovação e volta
Amadores de Santarém | Pegas consumadas à 1ª, 4ª e 2ª tentativas, respectivamente.
Amadores de Montemor | Pegas consumadas à 1ª, 3ª e 2ª tentativas, respectivamente.