‘Lisboa 2020’ de Tiago Correia é “retrato da vida de todos nós em 2020” (C/Vídeo)

Tiago Correia é dos mais talentosos fadistas da sua geração e lançou recentemente um vídeo no qual apresenta um poema intitulado “Lisboa 2020”, acompanhado de imagens marcantes dum ano também ele único, devido à pandemia provocada pela COVID-19.

 

Em declarações ao Infocul, Tiago Correia começou por explicar que “a ideia surgiu após escrever o poema Lisboa 2020, em Setembro deste ano. Pensei que para final de ano, gostaria de deixar um registo gravado para a posteridade dum retrato da vida de todos nós em 2020”.

Acrescenta que “a mensagem passa por reforçar que todos estivemos juntos, todos somos aquele retrato que contei no poema que escrevi. Todos sentimos, vivenciámos o vazio, o silêncio, o medo, o distanciamento. Mas também a vontade de regressar, o desejo de abraçar. Este é um ano que ninguém esquecerá”.

Neste vídeo participa o virtuoso guitarrista Ângelo Freire, outro dos grandes talentos da música portuguesa.

Tiago Correia disse-nos que “a colaboração do Ângelo Freire no som foi interessante no sentido de dar corpo à voz no meu poema declamado. Trabalho muito com ele em temas, em ideias e aqui claro que o seu contributo foi, como é sempre, muito importante”.

Mas os laços humanos não se ficaram por aqui. A edição do vídeo ficou a cargo do irmão de Tiago Correia, o jovem José Miguel Rodeia.

O fadista vincou que “o vídeo foi sim a parte mais complexa deste projeto. É uma edição do jovem editor e meu irmão José Miguel Rodeia, que tem 16 anos e que há algum tempo que arrisca o seu caminho pela área da multimédia. Foram muitas horas que estivemos lado a lado a pensar e a conversar sobre a estrutura e o conceito deste vídeo. É interessante trabalhar com a mente jovem do meu irmão, que é moderno, é deste tempo e contrasta um pouco com a minha “antiguidade” a ver o mundo e isso é interessante. Este vídeo só foi possível graças ao enorme contributo e apoio da Agência Lusa e do Ricardo Rocha/Studiof:22 que nos concederam estas imagens e ao qual estou muito grato”.

Os fadistas quase não puderam cantar este ano. A alma lusitana foi silenciada devido à pandemia provocada pela COVID-19 e que obrigou as casas de fado a fecharem.

Tiago Correia foi um dos fadistas afectados por esta situação, pouco cantando este ano comparativamente a anos anteriores.

Para mim o Fado, como já disse anteriormente, é o canto da alma imperfeita. É através do canto do fado que exprimimos as nossas imperfeições, quase que diariamente. Para mim o ser imperfeito é a melhor perfeição do ser humano, e é isso que nos faz distinguir a todos, pela quantidade de características diferentes que cada um tem. O Fado preenche e responde a essas imperfeições. Em 2020, essas imperfeições com a ausência do canto do fado tornaram-se um pouco mais vazias, porque não tínhamos onde ir preencher e retratar cada imperfeição nossa. 2020 veio também ensinar-me o que é ser uma pessoa de idade avançada. Essa gente que eu tanto admiro pelas suas experiências. É nesta perspetiva que penso em 2020. O ano em que sair à rua tem os seus riscos, em que a ausência do que somos é maior, e em que nos confrontamos com a nova forma de sermos gente. Onde os amigos, os convívios são mais distantes. E um certo receio retira-nos o brilho constante dos dias felizes. O ano em que percebemos que no início de nós e na partida quem está sempre é a família. Por isso não deixa de haver dias bonitos e felizes ao lado de quem amamos. Mas falta-nos muitas coisas. Foi neste ano que percebi o que é ser uma pessoa de idade avançada, de sentir o que se calhar os meus avós muito sentiram e os avós de muitos dos meus amigos. Este ano é a oportunidade de perceber que quando as coisas tomarem outra normalidade, há que viver com a intensidade suficiente para chegar à idade avançada o mais realizado possível. A vida é o que era antes e não o que somos agora. Mas brevemente voltaremos a ser a vida de antes. É o meu maior desejo”.

Agora com a vacina, ficará este problema resolvido?

Sim, espero que sim. A ciência está cá para nos dar provas e trazer à luz do dia que estamos evoluídos no campo científico. Embora considere que as vacinas vão, com o tempo, tornarem-se ainda mais eficazes e seguras. Sem tantos riscos. Penso que também, embora possamos pensar num regresso à antiga normalidade já no meio deste ano, que há alguns cuidados que se vão manter presentes no nosso quotidiano durante mais uns largos meses”, disse-nos Tiago Correia.

Será que Tiago Correia sente-se um mensageiro da tradição numa época de inovação? “Mensageiro não, isso é uma carga muito forte para mim e eu sou uma pessoa muito simples. Eu respeito e respiro a tradição, o passado, as raízes. Gosto de as trazer à luz do dia, porque o passado permite-nos um hoje mais completo. Permite-nos ter noção de onde estamos e do que passámos para estar aqui. E claro, inevitavelmente com essa vontade de abraçar o passado e beijar a raiz que eu tenho. Acabo por trazer um pouco do ontem para meu hoje, mas sempre, sempre com os olhos no amanhã”, rematou.