Pedro Rangel: “Um maçon é um homem livre e de bons costumes”

 

 

Nesta última sexta-feira fez-se história em Portugal no que respeita à abertura da maçonaria ao público em geral.

 

Durante dois dias, sexta-feira e sábado, realizou-se o XIX Encontro da União Maçónica do Mediterrâneo, sendo que a responsabilidade da organização coube à Grande Loja Simbólica de Portugal (a terceira Obediência Maçónica Portuguesa) e à Grande Loja Simbólica da Lusitânia (Via Maçónica mista Portuguesa). Na sexta-feira, durante 3 horas e meia, entre as 15:00 e as 18:00, a Casa do Alentejo em Lisboa, esteve de portas abertas ao público em geral para a conferencia “A Maçonaria em Portugal e exposições de livros, peças e jóias maçónicas”.

 

O Infocul entrevistou Pedro Rangel, por parte da organização do certame e anterior Grão-Mestre da Grande Loja Simbólica de Portugal, que deu a conhecer a importância do evento, o que pensa a maçonaria dos escândalos vindos a público, os objectivos da maçonaria perante a sociedade e qual a sua função cívica e espiritual.

 

Durante dois dias este evento abre a maçonaria ao público. Se não é um evento único, é pelo menos raro…

A maçonaria abre ao público em metade da conferência da União Maçónica do Mediterrâneo. Hoje, pela manhã, tivemos temas ligados à maçonaria pura e dura e à tarde decidimos pela primeira vez na história da União Maçónica do Mediterrâneo abrir à sociedade portuguesa. E porquê? Porque, de facto, não é só pelos maus motivos que aparecemos nos media. Mas a verdade é que a maçonaria tem um papel muito importante em termos sociais e em termos de solidariedade social, quer em Portugal, quer a nível mundial. Há dezenas de milhares de maçons que todos os dias trabalham a bem da humanidade, tal como fizeram os nossos antepassados, nomeadamente a carta dos direitos do homem, em que vem aqui o Presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem também falar dentro em breve, e portanto é esse o papel da maçonaria e é isso que pretendemos divulgar. Não são as influências, ou más influências, mas sim um papel determinante no bem estar e no apoio de quem mais precisa.

 

Como reage ao ver as notícias sobre os escândalos que têm surgido na imprensa?

Sinto que se essas pessoas, se provar que são culpadas, não devem estar na maçonaria. Nós devemos sempre pautarmos-nos pelo exemplo na sociedade e devemos afastarmos-nos completamente de casos que têm vindo a público. E portanto, de facto, essas pessoas não têm lugar na maçonaria. A Grande Loja Simbólica de Portugal tem essa preocupação muito grande de fazer um escrutínio muito rigoroso na entrada dos seus membros, portanto gente desonesta obviamente que há em todo o lado e também há na maçonaria porque é o reflexo da sociedade em que vivemos. Há casos, escândalos, que na Grande Loja Simbólica de Portugal são completamente eliminados e portanto as pessoas são imediatamente excluídas.

Para o público mais alheado desta temática, o que é um maçon?

Um maçon é um homem livre e de bons costumes. Esse é o mote. O maçon tem de ter capacidades intelectuais, culturais e espirituais para estar numa obediência maçónica, como a Grande Loja Simbólica de Portugal. E por isso, essa capacidade como homem, ou mulher, tem de estar sempre presente. Primeiro é isto, em segundo ter disponibilidade. Porque nem toda a gente tem disponibilidade para trabalhar em lojas maçónicas de quinze em quinze dias. Portanto tem de ter disponibilidade para estar presente e participar nos trabalhos que são realizados e na participação que a Grande Loja Simbólica de Portugal tem na sociedade portuguesa.

 

Quando se diz que para ser maçon tem de ser rico e poderoso é falso?

É completamente falso. 80% das pessoas que compõem a maçonaria portuguesa não são ricas nem poderosas. Por acaso são ricas mas é de espírito, isso é fundamental, nós sermos ricos de espírito. Agora, a riqueza e o poder por vezes não se compadecem com os bons princípios éticos e humanos. Obviamente que temos de tudo, temos pessoas com uma capacidade financeira interessante mas não é isso que move a maçonaria e a Grande Loja Simbólica de Portugal. Obviamente que têm de ter capacidade financeira e cultural para estar na Grande Loja Simbólica de Portugal.

 

A maçonaria acaba por ter um trabalho de solidariedade quase invisível, contudo está por detrás de muitas iniciativas solidárias. A solidariedade é praticada e não divulgada?

A Grande Loja Simbólica de Portugal e a Grande Loja Simbólica da Lusitânia têm uma associação de solidariedade social, em que essa associação identifica anualmente duas ou três associações de solidariedade social que não tem nada a ver com a maçonaria, mas que analisamos e identificamos como associações credíveis e que fazem um trabalho no terreno, de anos, em prol dos mais desfavorecidos. Portanto nós, nas nossas lojas maçónicas, damos indicações para apoiar essas associações através de bens ou através de campanhas específicas que as associações nos solicitam, através dessa associação para-maçónica. Portanto, não é a Grande Loja Simbólica de Portugal ou a Grande Loja Simbólica da Lusitânia que dá directamente, porque a caridade não se publicita mas executa-se e é isso que nós fazemos.

 

Essa associação pode ser revelada ou continua no segredo dos deuses?

Vai continuar no segredo dos deuses (sorri).

 

Um dos grandes flagelos recentes foi a questão dos refugiados. Qual o posicionamento da maçonaria perante esta questão?

Nós em parceria com outras audiências maçónicas, nomeadamente esta organização da qual fazemos parte (União Maçónica do Mediterrâneo), tem linhas condutoras de orientação e apoio a este flagelo que são os refugiados. Obviamente que nós sozinhos não temos capacidade para o fazer, mas através de organizações internacionais, que estão no terreno, temos dado um apoio muito significativo nesta ajuda aos refugiados e na sua adaptação aos países europeus nos quais são acolhidos, que é tão ou mais importante do que apenas acolhê-los quando vêm do norte de África. Portanto estas organizações, e mesmo a União Maçónica do Mediterrâneo, têm linhas condutoras de apoio e orientação a esse nível.

Olhando como cidadão, quais acha que são os desafios que se colocam à maçonaria nos próximos dez anos?

Eu penso que a maçonaria tem crescido muito e tem crescido muito porque existe uma crise de valores. Existe uma crise de valores na área política, existe uma crise de valores até na área religiosa, e a maçonaria vai colmatando muito alguma da perca de identidade comum. A maçonaria o que dá no seu todo é uma construção mental, intelectual e espiritual a dogmática, portanto aqui não há dogmas, nós somos homens e mulheres de livre pensamento e portanto cada um tem a sua capacidade de contestação e de livre consciência e arbítrio mas existe uma estrutura do conhecimento que é comum à maçonaria. E isso, de facto, em Portugal tem sido um motor de novas admissões no país que tem uma grande tradição espiritual. No passado houve ordens iniciáticas extremamente importantes como por exemplo Os Templários, que deram uma construção mental e espiritual às elites na sociedade portuguesa.

 

Perante o que acaba de dizer, sente que a maçonaria é o ponto de equilíbrio para a não perda total dos valores ou acha que as próximas gerações estão em risco em termos de valores?

Não estão em risco, as sociedades adaptam-se. A maçonaria é um caminho, um caminho minoritário. A maçonaria não é para massas. É para uma linha de classe social que se preocupa com estes temas. E portanto, nunca a maçonaria pode alterar a sociedade onde está mas pode ajudar, através dos seus membros e alguns dos seus membros estão bem posicionados na sociedade em que se encontram, em termos de valores como fizeram os seus antepassados. As Nações Unidas, por exemplo, o que são? É uma estrutura que maior parte foi criada por maçons e as Nações Unidas existem e são um ponto de equilíbrio a nível mundial.

 

 

E acabam por ter um papel fundamental a nível mundial…

Ainda tem, ainda tem…

 

Depois deste fim-de-semana de actividades o que espera em termos de projecção mediática, em termos de mentalidade no público em geral e o que é que acha que vai mudar?

Não vai mudar grande coisa (sorri). O estereotipo da maçonaria continua e vai continuar. Mas pela primeira vez, ou não sendo a primeira vez é algo que não é usual esta abertura, o objectivo é que as pessoas tenham uma ideia ligeiramente diferente. Em termos do que vai acontecer, é que Portugal está cada vez mais no centro da maçonaria universal e nós, Grande Loja Simbólica de Portugal, temos tido um papel muito importante já nos órgãos de decisão a maçonaria internacional. Apesar de em Portugal sermos pouco conhecidos, e o objectivo é não sermos conhecidos, ou melhor, o objectivo é continuarmos a ser discretos. Mas de facto, a Grande Loja Simbólica de Portugal e Grande Loja Simbólica da Lusitânia, têm tido um papel muito importante e por isso é que estão aqui audiências gregas, turcas, marroquinas, espanholas obviamente, francesas, italianas e albanesas aqui representadas. E é neste envolvimento internacional que a Grande Loja Simbólica de Portugal tem já um papel importante. (…)

 

 

Tendo em conta a importância que Portugal está a ganhar em termos universais na maçonaria, o que questiono é se perante essa observação externa, deverá ser maior a responsabilidade ou a humildade?

Maior a humildade. Nós, maçons, devemos ser o mais humildes possível, por isso é que estou a divulgar isto pela primeira vez à comunicação social, que alguém da maçonaria portuguesa pertencia à direcção de uma organização maçónica internacional, nomeadamente essa que tem uma projecção muito grande [ndr: Aliança Maçónica Europeia]. E por isso devemos ser o mais humildes possível e é isso que nos diferencia do resto. Quanto mais evoluimos na nossa caminhada espiritual e intelectual, mais humildes devemos ser.

 

Ser maçon fez de si uma pessoa mais feliz?

Completamente! Atingi uma felicidade, que no fundo é isso que todos pretendemos. Sermos felizes com os nossos próprios parâmetros. Uns dedicam-se à cultura, outros à espiritualidade mas os bens materiais só não chegam, não é? Ou melhor, os bens materiais não significam nada. As pessoas podem ter tudo o que entenderem mas não é por isso que são felizes. E portanto, a maçonaria é um dos meios para atingir uma felicidade, não digo felicidade plena porque isso não existe mas estou lá próximo.

Há valores que não têm preço?

Há valores que não têm preço, de facto.

 

Texto e Entrevista: Rui Lavrador
Fotografias: João de Sousa