Brunch Fado: Clube de Fado em movimento de vitalidade e com cariz solidário (Reportagem)

Carlos Leitão no Clube de Fado. Fotografia de Alfredo Matos

O Clube de Fado, em Lisboa, acolheu na manhã deste sábado um evento de cariz solidário, intitulado Brunch Fado.

O objectivo foi, entre as 6:30 e as 12:30, proporcionar Fado acompanhado de um brunch, respeitando assim os horários impostos pelas medidas de mitigação da pandemia, definidas pelo governo liderado por António Costa.

O grupo empresarial ‘Fado & Food Group’ organizou um evento cujas receitas serão integralmente entregues à União Audiovisual, um movimento criado durante a pandemia e que tem ajudado os que mais precisam, no meio cultural. O brunch teve um custo de 15 euros, por pessoa.

“Neste momento estamos, aproximadamente com 1 milhão de euros de prejuízo”

Nuno Fernandes, por parte da Fado & Food Group, explicou-nos que “a ideia parte de uma junção de tudo aquilo que é o Fado & Food Group e os fadistas de outras casas de fado de quererem mostrar que estamos vivos e que a paixão do fado está viva. Demonstrar que é seguro vir ao fado, precisamos e queremos que o público regresse para sentir toda esta nossa paixão pelo fado”.

Reforçou que “a causa é solidária, toda a receita que vamos ter será doada à União Audiovisual, para de alguma forma ajudar aqueles que estão sem trabalho há meses, meses e meses” e que por esse mesmo motivo “a nossa ideia e intuito não é neste momento estar a criar um produto, é apenas a parte solidária e a imagem que queremos passar. Mas é curioso, porque provavelmente há pessoas que nunca vieram a uma casa de fados à noite. E agora estão a experienciar o que é estar numa casa de fados, às 9, 10, 11 da manhã. Acho que estamos a trazer um público novo ao Fado”.

As casas de fado têm sido fortemente afectadas pela pandemia e a Fado & Food Group conta com algumas das mais importantes do circuito fadista.

Quando questionado sobre os prejuízos que a pandemia causou, Nuno Fernandes disse-nos que “posso-lhe dar um número. E um número muito redondo. Neste momento estamos, aproximadamente com 1 milhão de euros de prejuízo. É um número que assusta, mas haveremos de dar a volta. Venham as pessoas assistir, ouvir Fado, jantar… Tenham Confiança! Vamos continuar!

De todo o universo Fado & Food Group, “a única casa do grupo que tem estado aberta é o Clube de Fado. Abre à quinta e sexta-feira, mas muitas vezes nem tem estado a abrir porque não há público. As restantes estão fechadas”.

E o motivo da falta de público prende-se, na opinião deste responsável, pela “falta de confiança. Todas as mensagens que passam é para ficar em casa e, portanto, as pessoas não saem à noite para jantar. E quando saem é com muitas restrições, porque temos de encerrar às 22:30 e, portanto, nem dá para desfrutar na totalidade”, rematando que “infelizmente ainda não dá para servir fado em takeaway”.

 

Foram muitos os músicos a participar nesta iniciativa. A saber: Lina, Carlos Leitão, Sandra Correia, Ângelo Freire, Pedro Soares, Paulo Paz, Rute Soares, Filipa Tavares, Cristina Madeira, Sérgio Costa, Armando Figueiredo, André Moreira, Sara Paixão, Tiago Correia, Sofia Ramos, José Geadas, João Domingos, Jorge Carreiro, Cristiano de Sousa, Elsa Laboreiro, Filipe Acácio, Hélder Machado, João Silva, Ana Marta, Sónia Santos, Cláudia Picado, Vasco Sousa, Pedro Moutinho, Ana Sofia Varela, Maria Emília, Rodrigo Costa Félix, André Vaz, Inês de Vasconcelos, David Ventura, Adelaide Sofia e Daniel Pinto.

“Acho que as casas de fado são seguras e esta iniciativa serve para demonstrar isso”

A fadista Ana Sofia Varela explicou-nos que durantes estes, longos, meses “tenho continuado a cantar, tenho tido algumas coisas, graças a Deus, ao longo destes meses, não muitas, mas tenho tido algumas. Estive no Sr.Vinho, na Mesa de Frades [emblemáticas casas de fado]… Simplesmente os horários ficaram mais complicados mas acho que as casas de fado são seguras e esta iniciativa serve para demonstrar isso. Desde as 6:30 da manhã até agora tem estado cheio [dentro das limitações impostas] e estamos todos com vontade de trabalhar e demonstrar que a cultura é segura”.

Confidenciou-nos que o mais complicado ao longo destes meses foi “a falta de cantar, a necessidade de cantar! E de continuar a ter uma vida normal…”.

Ana Sofia Varela no Clube de Fado. Fotografia de Alfredo Matos

“Nós quisemo-nos associar à União Audiovisual, que é provavelmente o melhor exemplo de organização durante o tempo desta pandemia”

Carlos Leitão quando questionado sobre se esta iniciativa poderia criar um hábito no público, ir aos fados durante a manhã, revelou que “não te sei responder”, até porque “o paradigma está completamente diferente. Eu quero acreditar que o encanto do fado está na noite. Tem tudo a ver com a noite e muito pouco a ver com o dia”.

Acrescentou que “esta iniciativa não é para explorar novos mercados ou tendências, longe disso. Tem dois objectivos. O primeiro é fazer uma declaração de interesses, dizer ao país que as casas de fado estão abertas, dentro das possibilidades, e as pessoas têm de vir. E não o fazemos com um sentido miserabilista, lamechas ou de queixume. É apenas uma declaração de vitalidade!

Nós quisemo-nos associar à União Audiovisual, que é provavelmente o melhor exemplo de organização durante o tempo desta pandemia e é também o sector mais desgastado com tudo isto, como todos sabemos. Poder integrar toda esta dinâmica e orgânica é extraordinário e de pois disto tudo que te disse, cantar de dia, obviamente que custa a qualquer fadista, mas é apenas um grão de areia, num mar imenso que estamos a construir hoje de ajuda à União Audiovisual e de despertar de mentalidades para o público português”, explicou-nos ainda.

A título individual, sobre o ano de 2020, disse-nos que “o balanço é fácil: foi tudo adiado e cancelado. O disco ‘Casa Vazia’ foi lançado em meados do ano passado e em termos de concertos estavam a colocar as fichas todas para este ano e eu cheguei a uma altura em que desisti de me martirizar, por uma razão simples: eu tenho sempre na minha cabeça a ideia de que quando achamos que estamos mal, há sempre gente pior do que nós. A partir de certa altura pensei: isto não vai melhorar este ano, oxalá melhor para o ano. Mas não é um problema meu, é um problema geral”.

“Temos fome de cantar”

Yola Dinis tem um percurso já com bastantes anos no Fado e esteve recentemente no musical Severa, de Filipe La Feria, no Teatro Politeama.

Repentinamente viu-se fechada em casa, como todos os portugueses, e revela que “tem sido tudo complicado, porque esta ausência diária de fado está a fazer-nos muita falta. Não só a nível monetário, mas ao nível de sentires-te realizado, útil…. Temos fome de cantar. Temos necessidade de dar o nosso fado às pessoas, portanto tem sido complicado não cantar”.

Eu quando vou à televisão digo sempre às pessoas para terem confiança nas casas de fado, podem vir ao fado com toda a segurança. O Fado & Food Group são muito cuidados e meticulosos com a segurança e higiene. Todas as regras são cumpridas, as máscaras, a desinfecção das mãos, medição de temperatura, tudo é cumprido à risca. Eles não facilitam, porque além da preocupação com quem nos visita, estão preocupados connosco e com os restantes colaboradores”, reforçou ainda.

Recentemente esteve no musical de Filipe de La Féria e actuava ainda na Adega Machado e Café Luso, duas emblemáticas casas de fado.

Sobre esta mudança repentina de fase, dos holofotes e muito trabalho para uma paragem quase total, assume que “foi extremamente delicado e continua a sê-lo. O que me tem atenuado esta dor é a minha filha, que ainda é pequenina, precisa da atenção da mãe. Passei mais tempo com ela, foi a parte boa de estar em casa. Passei do 80 para o 8, porque na altura eu estava a fazer o musical Severa, estava na Adega Machado, estava no Café Luso, depois de repente vi-me fechada em casa durante 4 meses, sem sequer ir ao hall do prédio. Foi extremamente delicado e hoje estou a sofrer com isso. A saúde sofre com isso, a mente começa a trabalhar de outra forma, a falta do fado para nós é como a comida. E a saúde ressente-se, não só a psicológica como a física”.

“Acredito que caminhemos para um novo normal e que seja possível voltar aos grandes palcos já no próximo ano”

A jovem Maria Emília, um dos novos mais promissores da sua geração, foi questionada sobre se cantar de manhã obriga a um esforço vocal maior, comparativamente aquando cantam à noite.

Sim, por um lado. Mas por outro, como a saudade é tanta dos palcos e da casa de fado principalmente (que é a nossa igreja) torna-se fácil. Quando temos vontade e muita saudade acaba por facilitar o trabalho”, disse-nos Maria Emília.

Durante o período pandémico, Maria Emília foi mãe de uma menina. Quando questionada se o facto de ter sido mãe atenuou as dificuldades que a pandemia trouxe, explicou que “ser mãe durante uma pandemia acarreta um medo muito maior. Ser mãe acarreta um sentido de responsabilidade, sê-lo no meio desta pandemia ainda mais. O que eu mais gostava para a minha filha era que ela conhecesse o meu ambiente de trabalho, conhecesse a família sem máscaras, pudesse receber carinho e nas condições actuais isso não é possível, não é permitido. Portanto atenua por um lado, sinto-me acalentada, tenho o maior amor do mundo dentro de minha casa, mas eu acho que uma coisa não supre a outra. São distintas”.

O regresso aos palcos “espero que seja para breve”, até porque “com o surgimento da vacina acredito que caminhemos para um novo normal e que seja possível voltar aos grandes palcos já no próximo ano”.

Sobre o sentimento que existe ao estar em cima do palco e agora ver o público de máscara e sem esgotar as salas, disse-nos que “só o facto de poder subir a um palco já me deixa grata. É diferente. É novo. Portanto é um sentimento com o qual ainda estou a aprender a lidar, mas se me perguntares o que é, ainda não sei muito bem o que é…

Rematou que, “contudo, é um sentimento de gratidão enorme, porque embora eu só veja os olhos das pessoas, acho que vemos o essencial porque os olhos das pessoas são aquilo que nos transmite a verdade. Portanto vendo os olhos, consigo perceber se as pessoas estão felizes ou tristes e, portanto, acho que a emoção passa e reflete-se no olhar”.

Maria Emília no Clube de Fado. Fotografia de Alfredo Matos

Texto: Rui Lavrador
Fotografias: Alfredo Matos.


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