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José Gonçalez conta com 47 anos, nasceu em Estremoz a 6 de Outubro de 1969, do signo Balança. Fadista, compositor, letrista, é também radialista, programador e director artístico do Caixa Alfama, Caixa Ribeira e Caixa Luanda. Jogou hóquei em patins e é sportinguista confesso.

 

 

Actualmente tem também como desafio o co management do grupo Sangre Ibérico, em parceria com a Sony Music, canta regularmente no Restaurante Dom Leitão e em entrevista ao Infocul abre um pouco o livro sobre o seu percurso profissional e o seu lado pessoal, do qual raramente fala em público.

 

 

Amante da palavra, esta entrevista teve como fio condutor o Amor: pelos Seres Humanos, pela Vida, pela Arte.

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José, contas com uma carreira longa e com várias facetas. Tudo começou em Estremoz. Quando é qua a música entra na tua vida?  

 

Pois começa tudo em Estremoz, foi onde nasci. A música começa muito cedo pois embora não tivesse ninguém na família ligado à música profissionalmente, a minha mãe cantava fado muito bem e portanto habituei-me desde muito pequenino a ouvir fado. Por norma todas as noites o meu pai colocava fado em casa. Ainda para mais, tinha um vizinho que morava numa casa contígua à casa dos meus pais, ainda hoje vive, e eu passava muito tempo à noite na casa dele e da esposa, sendo que ele só ouvia fado, tinha um Silvano daqueles antigos e ouvia Maria Teresa de Noronha, Amália, Teresa Tarouca, Hermínia Silva…e portanto foi ai que tudo começou. Eu não me lembro sequer, não consigo arranjar-te uma data, para perceber a minha ligação à música porque desde que me conheço e me entendo que sempre estive ligado à música.   

 

 

No Fado, sentes que ao longo destes anos tens o reconhecimento devido?  

 

Essa é uma pergunta que não vou conseguir responder porque também nunca estive à procura de reconhecimento na minha vida em coisa nenhuma. Portanto os que me conhecem bem, sabem a minha forma de estar nesse sentido. E até acho que é mau, quer dizer se eu achasse que tinha um talento imensurável em alguma área até poderia achar-me injustiçado, mas por norma estas coisas sabem-me sempre a ressabiamento. Eu faço o melhor que posso e que sei em cada uma das áreas da minha vida e deixo para os outros a questão de verem o trabalho que faço, de ouvirem, das coisas que realizo, numa perspectiva de um homem que faz o que gosta, que tenta fazer o que gosta e que nunca esteve à procura de reconhecimento.   

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Embora as pessoas te conheçam mais como intérprete, tu também escreves e compões. Nas tuas redes sociais vais partilhando poemas. Pergunto se és um apaixonado pela palavra?  

Sou acima de tudo um apaixonado pela palavra. Não me lembro de em tantos anos, com tanta entrevista e tanta conversa, me terem feito essa questão. Creio que nunca ninguém me fez essa pergunta e é interessantíssimo. Eu sou um apaixonado pela palavra, pelo português em particular. Para que tenhas noção, por exemplo as ofertas que a minha mãe me faz todos os anos são livros de português, de gramática, dicionários…Vou revelar-te em primeira mão, acho que nunca contei a ninguém: eu durante muitos anos, o meu livro de cabeceira era um dicionário da língua portuguesa e todas as noites quando me deitava lia partes do dicionário. Portanto, se há coisa em que tenho orgulho, ou que me orgulhe pelo menos, é do gosto pela língua portuguesa, da procura diária que faço para saber mais, falar melhor, de escrever as frases com mais sentido, de organizar o pensamento. Eu optei pela filosofia, é um lado que pouca gente sabe da minha licenciatura, porque se tiveres ferramentas ao nível do conhecimento, ou pelo menos ao nível do pensamento o teres mais organizado no sentido de conhecer mais, saber mais, saber melhor, e depois suportado na tua língua, em tudo o que ela tem e no que podes explorar dela, então sim sou um apaixonado pela palavra e se há de facto coisa, vou revelar-te em primeira mão, ou alguma qualidade na minha vida onde possa ter alguma qualidade, e qualidade não é soberba mas no sentido de fazer coisas com algum sentido é na escrita, mas curiosamente é também o lado menos explorado da minha vida, que dou menos a conhecer. Não escrevo todos os dias, não escrevo habitualmente e muito menos escrevo por encomenda. Escrevo quando me apetece, quando algo passa por mim…Mas a palavra é uma das minhas grandes paixões.   

Uma das coisas que reparo, e já acompanho o teu trabalho há muitos anos, é que te entregas com muito amor. Será que por o amor ser um sentimento difícil de explicar, és muitas vezes incompreendido?  

O Amor…tocaste num ponto interessantíssimo, porque a tese que fiz para o meu curso foi exactamente sobre o amor, a minha dissertação foi sobre o amor. Quando tu amas demais e sobretudo dando-te, e quando digo dar é de forma transparente, sem estares à espera de receber algo, sem uma segunda intenção, fazes porque queres fazer e porque sentes assim…poderás sempre ser incompreendido. Mas ao longo dos anos habituei-me a dar a importância devida, há uma frase célebre: “só nos magoa quem nós deixamos que nos magoe”. Portanto eu isso acho que consegui ultrapassar, não direi que sou imune a críticas, porque há muitas críticas que fazem sentido e nos ajudam bastante, mas sou sobretudo imune a críticas de quem não sabe nem percebe nada disto e em que eles próprios estão convencidos de que são uns grandes conhecedores, e no meio fado existe muito disso. Sabes que entrámos quase num concurso de quem sabe mais de fado, e é a coisa mais hipócrita que alguém pode dizer. Primeiro porque sabemos todos tão pouco, e depois porque eu tive a sorte, ao contrário destes bacocos que dizem coisas que não fazem sentido nenhum, de conhecer e falar com Amália, de ser amigo pessoal e conhecer Manuel de Almeida, e estou a dizer-te estes porque nos deixaram uma história incrível tal como o Tony de Matos, e eu tive a sorte de conviver com estas pessoas, até porque comecei muito pequenino. E ver gente a dizer coisas sem sentido e como se tivéssemos num concurso de quem sabe mais…Eu sei sempre pouco, e tento todos os dias aprender sempre um pouco mais: hoje aprendo contigo nesta conversa, amanhã aprendo com o Rodrigo se me juntar com ele a cantar ou com o Nuno de Aguiar e aprenderei com quem está agora a chegar ao meio fado. Os mais pequeninos que têm uma visão diferente da nossa, mas que certamente acrescentarão à nossa visão.   

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O Fado celebra 5 anos de elevação a património imaterial da humanidade. Sentes que houve muitas pessoas que se aproveitaram do fado?  

Sim, mas isso é um fenómeno que é transversal a todas as áreas das sociedades e da vida em geral. Quando tens uma coisa que obtém grandes resultados, há logo os autocolantes. É como um fadista, um músico, um artista, que se calhar num dia ninguém lhe liga e se ganhar um Grammy, no dia a seguir é logo o melhor do mundo e tem não sei quantas pessoas a chegar. O Fado é a mesma coisa e não é imune a essa situação, há muita gente…Eu então sou dos que sou critico nesse sentido. Eu não sou crítico no sentido de achar que cada um chega ao fado como quer, mexe no fado e canta-o como quer, desde que não digam que isso é fado. Eu não tenho nada contra o que faz a Mariza por exemplo…Agora em muitas das coisas que a Mariza faz é óbvio que aquilo não é fado. Agora isso não lhe retira qualquer tipo de qualidade, não temos que a atacar e dizer “ah mas isto não é fado…” Mas o que é que isso interessa? Se calhar por causa da Mariza, da Ana Moura, do António Zambujo e de tantos outros, temos muito mais gente no fado. Se calhar porque há gente que não é do fado e que é de uma onda mais pop, mas que vem ouvir Ana Moura, Mariza, Zambujo e que por causa disso depois quer conhecer melhor o fenómeno, acabando por gostar e ficar cá. Esse é que é o lado que devemos valorizar. Não devemos olhar para ali e dizer que uma rumba é fado, mas se essa rumba por o seu intérprete ser fadista ou vir de uma linha fadista trouxer as pessoas que gostam de ouvir rumba e que a seguir vão ouvir fado, então qual é o mal? Quanto mais gente tivermos melhor. E é assim que devemos olhar para as coisas. Devemos olhar de forma séria, honesta, não podemos é vir dizer que um qualquer desses temas é fado porque não é. Mas é interpretado por fadistas e acaba por ter uma linguagem que muitas vezes também é do fado e que traz pessoas para o fado, portanto porque é que vamos estar a implicar com isso? 

 

 

Um dos nomes que falaste foi no Zambujo. Foste dos primeiros a ver o talento dele quando pouca gente o conhecia… 

 

Quando ninguém o conhecia… 

 

 

Ainda há pouco tempo foi partilhado no Facebook um vídeo em que vocês cantam os dois juntos. Como vês o crescimento dele, sendo actualmente dos artistas mis aclamados em termos nacionais? 

 

E tenho outros registos até bem anteriores a esse vídeo. O António Zambujo é do meu Alentejo, eu sou de Estremoz e ele é de Beja e conhecemo-nos na Pousada dos Lóios porque às vezes fazíamos lá fados com amigos comuns e o António Zambujo começou a aparecer ai. Portanto eu conheci o António Zambujo antes do “Amália”, não sou da geração que conhece o Zambujo pelo sucesso que ele ai teve. Vou contar-te que o António Zambujo foi meu convidado em muitos espectáculos, e apresentava-o sempre fazendo referência à qualidade que ele tinha e que eu via e acreditava que ele tinha. E conto-te que nem uma nem duas vezes ele no fim me dizia “não digas que vou ser bom, não digas que tenho qualidade…eu tenho vergonha”, isto porque ele se envergonhava de eu dizer que ele era bom, de eu dizer que ele ia ser um grande artista, e a verdade é que ele hoje está ai e o presente veio provar que eu estava certo quando eu e outras pessoas obviamente lhe reconhecemos talento. Eu sabia que mais tarde ou mais cedo o António Zambujo iria ver reconhecido o seu talento e este reconhecimento é justíssimo pois o António Zambujo é das pessoas mais dignas de pensamento que eu conheço. Se tu o entrevistares e disseres “ah e tal este disco é fado”, ele diz “não, este disco não é fado”. Portanto ele assume o que está a fazer, foi uma linha de música que ele descobriu, que faz jus às raízes dele em que há o fado, o cante alentejano, a moda alentejana, a influência que ele tem da música anglo-saxónica, há o Brasil e ele é a mistura disso tudo, portanto eu hoje fico muito feliz quando olho para o percurso do Tozé e vejo como está e onde chegou. 

 

 

Para celebrar os 25 anos de carreira lançaste o disco “Até Deus gosta de Fado”. Cantas regularmente no Restaurante Dom Leitão. Como surgiu esse restaurante na tua vida? 

 

Bom…O Dom Leitão surge por acaso. Eu já estava em Lisboa há dois anos, e um amigo comum, meu e do dono do restaurante, que toda a gente conhece que é o Fernando Correia que faz programa antes de mim na Rádio Amália, que me veio dizer que tinha um amigo com um restaurante muito bonito, um espaço muito interessante onde o fado podia resultar, e convidou-me para lá ir jantar com o dono do restaurante, pois o dono queria lá fazer fados. A verdade é que fui, fizemos lá fados uns dias depois e dai para cá é o que nós conhecemos. O Dom Leitão tem um ambiente muito familiar, muito próprio, muito sui generis, em que quem chega canta o que lhe apetece, quem quer lá ir vai e canta o que lhe apetece, e temos tido a sorte de os maiores interpretes terem passado por lá e irem regularmente, temos a sorte de ter os melhores músicos. Um espaço familiar, onde o fado se vive e que tem tido noites magníficas e muito intensas mas sempre com um ambiente de uma casa que é de todos, de quem quer ir vai, canta o que quer e sem o peso de uma casa de fados, sem aquele ar tão suturo, muito introspectivo…Ali não temos isso. Ali todos estamos à vista de todos, todos respiramos o mesmo ar. 

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2017 está à porta. O que estás a preparar em termos de discografia? 

 

Bom, vens apanhar-me em estúdio. Eu tive um desafio muito interessante e muito improvável diria eu, porque não estaria à espera, no início deste ano, para fazer um disco em determinadas condições que agora não quero nem vou revelar. Mas posso dizer que esse desafio vinha no sentido de eu fazer um disco escrito por mim, uma coisa que eu nunca tinha feito que era um disco totalmente escrito por mim. Foi uma honra e uma surpresa porque o desafio veio de uma das maiores editoras do mundo. Nesta altura em que estamos agora a falar posso apenas dizer que o disco tem data de saída proposta para Fevereiro e que será um disco em que muito poucos estarão à espera.   

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Passando para uma outra área em que estás envolvido, tens sido o programador do Caixa Alfama e Caixa Ribeira. Que balanço fazes de quatro edições do Caixa Alfama e duas do Caixa Ribeira? 

 

O melhor e podemos acrescentar o Caixa Luanda. Eu tenho a responsabilidade de programação e direcção artística do festival. No fundo compete-me pensar em coisas que façam sentido e de algum modo que consigamos a cada ano inovar e trazendo coisas ao fado, sempre respeitando o fado mas trazendo coisas novas. E em 2017 vamos ter a quinta edição do Caixa Alfama, há já uma coisa em que pensei e penso que vai ser interessantíssima e as pessoas vão gostar bastante. O Caixa Alfama… Repara, já havia festivais de fado um pouco por todo o mundo e era curioso como é que no país do fado não havia um festival. E um dia eu e o Luis Montez, dono da entidade organizadora dos festivais à qual eu pertenço, sentámo-nos, depois de uns dias antes numa festa de natal do grupo eu lhe ter falado que fazia sentido organizar um festival de fado e ele me ter dito que já tinha pensado nisso, e passado um mês depois dessa primeira reunião estava fechado o primeiro Caixa Alfama. Quando digo fechado é mesmo com tudo, desde elenco à sponsorização da Caixa. O sucesso deve-se aos fadistas, aos músicos, interpretes e a toda a gente que está ligada a este fenómeno como as casas de fado, os agentes, aos managers, as televisões, portanto isto é uma equipa muito grande. Jamais o sucesso do Caixa deve ser veiculado a uma pessoa. Porque repara, se por um lado eu tiro o meu chapéu ao Luiz Montez por ter acreditado e confiado em mim a programação e direcção artística do festival, mas o sucesso deste festival deve-se ao facto de termos como costumamos dizer os melhores fadistas do mundo, temos os melhores espaços do mundo, o melhor ambiente do mundo, uma canção que é nossa e que a conhecemos. 

 

 

Mas tens aqui algumas nuances interessantes. O Caixa Alfama e o Caixa Ribeira têm a mesma temática mas são dois projectos distintos. Quando colocas um fadista a cantar numa igreja o repertorio tem que ser adaptado… 

 

E é bom que se perceba, e foste buscar isso bem, e aquilo que temos pedido e tem sido cumprido, é que o repertório seja ontologicamente correcto para o local, temos que respeitar a simbologia do espaço, a ideologia do espaço e por ai adiante. Pedimos aos fadistas que escolham repertório que se adapte ao espaço e não apenas com a igreja, mas noutros espaços também. No Porto por exemplo este ano cerca de 30 a 40% dos fadistas eram do Porto e temos salas específicas como o Hard Club por exemplo como são duas salas com uma linha de modernidade, que eles dinamizam com pop, rock e até heavy, o que eu tenho desafiado, o que eu tenho feito é levar fadistas com uma área mais pop, mais moderna, que tenha a ver com o espaço. Porque eu acho que faz todo o sentido ligar o espaço aos intérpretes, ou a filosofia de um espeço ter a ver com a filosofia de um concerto de determinado artista. Outra filosofia no Caixa é, vamos dizer assim, lembrar para honrar. Porque nós não podemos esquecer que se o fado chegou aqui e tem esta história então também tem muita gente que o fez chegar cá. Temos que ser dignos e respeitar esse passado, temos que agradecer aqueles que construíram isto, felizmente muitos ainda estão vivos, e eu tenho-os convidado para os festivais. E isto de celebrar para honrar a que é que nos leva? Nós já lembrámos Fernando Farinha, Max, Fernando Maurício e Beatriz da Conceição. Não tanto naquela coisa da homenagem mas mais no tributo. Temos pedido a vários artistas, grupo de artistas, que celebrem estas figuras maiores que o fado teve com espectáculos dedicados a eles, portanto isso é algo importante que eu acho que devamos sublinhar. 

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Ao longo de quatro anos tens conseguido renovar os cartazes dos festivais. Já te o disse, que não é fácil pois não há 300 fadistas de topo e convém que o cartaz seja apelativo para que tenha público. Sentes que tens sido muito atacado no meio fado pelas escolhas que fazes? 

 

Calculo que seja…mas como te dizia, dou muito pouca importância a isso. Aproveito até este espaço para me dirigir a esses críticos todos, se os há se não há, é coisa que nem sequer me atinge. O que deve responder por nós é o trabalho que nós fazemos. E se há coisa que tenho a certeza é que tenho respeitado o fado, os fadistas, trato bem toda a gente, sou educado com as pessoas e isso é que me importa. Se uns acham que devia ir o A e não o B, ir o C e não o D e depois no ano seguinte levas o B que afinal já queriam que fosse e não o A, isso são coisas que me passam ao lado. Se eu tivesse preso a isso, e se fosse falar com essas pessoas a quem te referes, cada uma acha que o festival deveria ser aquilo que eles querem. E há outra coisa que as pessoas têm que perceber. Este festival Caixa, o Alfama, é um festival realizado em Alfama mas não é um festival dos fadistas de Alfama. Há aqui uma mistificação que é preciso entender de uma vez por todas. Este é um festival do país e do mundo. É em Alfama porque é um espaço extraordinário, porque tem casas de fado maravilhosas e tem um ambiente fadista. Honramos o fado porque fomos para o seu espaço e dignificamo-lo, agora não é um festival dos fadistas de Alfama, isso não faz nenhum sentido. Claro que os inserimos, claro que todos os anos vão fadistas de Alfama, eu próprio adoro Alfama, mas é um festival de Portugal e do mundo que é feito em Alfama, num sitio lindo, com condições únicas. É assim que têm que olhar para o festival. 

 

 

Para fecharmos os Caixas…Presumo que já os estejas a preparar para 2017… 

 

Já estão as datas fechadas e tudo. Mas não te vou dizer. 

 

 

Há fadistas que ainda não marcaram presença nem no Porto nem Lisboa, e que são considerados de topo, como por exemplo Carlos do Carmo, Misia ou Mariza. Já te tinha feito esta questão no Caixa Alfama, mas reforço nesta entrevista: Todos têm possibilidade de ir? 

 

Eu até hoje não recebi nenhuma indicação de que há artistas vetados para os festivais. Já te o tinha dito, como referiste e quando me questionaste no Caixa em que falaste nos mesmos três nomes, eu nunca fui confrontado por ninguém, a entidade que está acima de mim. E gostava que colocasses também que ninguém que esteja acima de mim me veio dizer para lá colocar este ou aquele. Têm confiado sempre em mim, as escolhas são minhas, obviamente conversando e com propostas entre todos, agora nunca fui obrigado a colocar alguém no cartaz tal como nunca me obrigaram a não colocar alguém. A tua pergunta serve para duas respostas, não fujo a isso. As pessoas que falaste se as coisas um dia se proporcionarem estarão lá e se calhar até mais breve do que aquilo que estarás à espera.  

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Passando para uma outra vertente. És agora manager dos Sangre Ibérico. Como surgem os Sangre Ibérico na tua vida? 

 

Vamos colocar as coisas nos seguintes termos: o management é da Sony. São artistas da Sony. Para estarmos aqui com uma linguagem mais simples, até porque eu nunca fui manager de ninguém, há um co management, se preferires.  Eu conheci os Sangre Ibérico onde todos os conheceram, num programa de televisão, no Got Talent. E na minha função de programador dos Festivais Caixa, como tu sabes levamos sempre projectos fora do fado. Levámos a Ana Bacalhau dos Deolinda, Anabela, FF, Simone de Oliveira, enfim…Todos os anos temos projectos que não sendo fado podem ter alguma coisa a ver com fado, e neste caso como sabes eles pegam em fados e transformam em rumba, ou melhor criaram uma linguagem própria, acho que é mais isto. Criaram uma linguagem própria, um ambiente próprio, um ritmo entre flamenco e rumba, rumba flamenca e o fado, anda aqui tudo misturado e a verdade é que aquilo dá um “resultadão”. Eu fiquei impressionado e preso assim que os ouvi. Eles têm um talento enorme, e em conjunto com a Sony entendemos que são um projecto com futuro. A Sony e a sua directora Paula Homem acreditou e acredita tanto quanto eu e a verdade é que estão a ter um sucesso enorme, o videoclip deles está ai com milhares de visualizações, a agenda deles para 2017 está a ficar totalmente preenchida, o disco está a ser preparado, sairá para o ano, e portanto sendo uma das coisas mais recentes da minha vida é das coisas que me está a dar mais prazer porque no fundo é uma área nova, porque nunca fui manager, embora conheça o trabalho deles e tenha trabalhado com muitos managers . Está a dar-me um gozo especial ainda por cima porque estamos a falar de três miúdos cheios de talento, com uma nobreza de caracter que a mim me agrada muito, são gente boa e dá gosto trabalhar com eles. Ainda por cima chegaram aqui agora, não têm vícios, não têm o tique de artista, estão a crescer com a Paula Homem e a Sony, no melhor que lhes podia acontecer. É uma fase nova, como tu dizes, e está a ser gratificante, sobretudo ao nível humano, é algo que não estava nada à espera na minha vida. Mas também prova que não devemos estar fechados e que a todo o momento nos podem acontecer coisas boas.  

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Em todas as vertentes da tua vida profissional, o lado humano tem um peso muito grande. 

 

É o mais importante. Aliás, quando falaste lá naquela coisa do amor, para quem acredita no esoterismo terá a ver com o meu lado de Balança…Enfim agora arranjaria aqui uma serie de coisas que não são minhas mas que é verdade…Há uma expressão que eu gosto particularmente, “nós um dia seremos apenas a recordação numa fotografia numa estante de alguém e um dia nem isso”, e o que é que tu vais levar de cá? Vais levar o que tu viveste. Vou levar o meu relacionamento contigo, o meu relacionamento com as pessoas que a vida me der oportunidade de cruzar, com a possibilidade de nos portamos bem e cumprirmos enquanto seres uns com os outros, e por isso é que em todas as áreas da minha vida, e estou de acordo contigo e tenho pago muitas vezes uma factura muito elevada com isso, mas também não me vejo de outra maneira. Mas também tem a ver com por exemplo eu não me prender as criticas, porque isso eu não valorizo nada, mas não valorizo mesmo. Não valorizo por uma questão de prepotência. Não valorizo porque isso não me acrescenta nada. Valorizaria se eu tivesse noção que estaria a fazer as coisas com um determinado objectivo ou estava a ser intelectualmente desonesto, mas como não faço pois eu faço o que acho que me parece que está bem, sem falar mal de ninguém, sem fazer mal a ninguém, eu não desvio ninguém do meu caminho…Portanto é algo que me vai passando ao lado, quem se deita comigo sou eu, portanto tenho é que me deitar bem comigo. E o que me faz feliz e deve ser valorizado nas nossas vidas é esse lado da humanidade. Mas não o “ai ele é muito humano”, porque detesto essa lábia também…mas sim o do teu comportamento e o que fazes, mas não para virem agradecer que o fizeste, mas sim porque está na nossa génese humana cuidarmos dos outros. Em todas as áreas da minha vida o que mais valorizo é o lado das amizades, relacionamento, as pessoas e como deves calcular tenho-me cruzado com varias pessoas que não gostam de mim e outras com quem não simpatizo, mas eu sempre encarei isso como um lado normal, nós somos assim, não há nada a fazer. Tu podes ter uma forma de estar com a qual eu posso não me identificar, e isso não faz de ti uma má pessoa e eu não tenho o direito de dizer que tu és uma má pessoa. Não tenho que criticar a tua forma de ser, excepto se forem coisas que façam mal a todos os outros. Até posso fechar a questão assim, como é que há pessoas que dizem que aquele canta bem ou canta mal? É algo tão subjectivo. Quer dizer, deixa-me abrir um parenteses, não estou a falar da Maria Leal e casos destes, porque isso extravasa tudo. Eu estou a por a conversa ao nível de pessoas que musicalmente estão correctas, que afinam, que têm compasso…Tu podes gostar mais ou menos dos timbres, podes gostar ou não das interpretações, mas isso não nos dá o direito de dizer que as pessoas cantam mal ou pior que alguém. Porque essa escolha será sempre o público a fazer e vou dizer-te mais, temos em Portugal gente com enormes condições para serem bons cantores e que depois não são nada bons artistas, as pessoas não os seguem e muitos deles até se tornam ressabiados e nem percebem porque as pessoas não gostam deles. Mas se calhar as pessoas não gostam deles pelas suas qualidades artísticas mas pelas suas qualidades humanas.  

 

 

O teu lado Balança faz com sigas mais o coração ou a razão? 

 

Eu tento equilibrar os dois. Isso era o que seria suposto. E já que estamos a falar neste campo, saberás e entenderás que a balança pode ir aos extremos e os pratos podem estar desequilibrados. Confesso-te que uma das minhas lutas pessoais é manter o equilíbrio no dia-a-dia, pois o lado da filosofia leva-me para a razão e o lado humano para a emoção. Dir-te-ei que vou tentando o equilíbrio. Porque muitas vezes a emoção nos tolhe a razão e por outro lado a razão pode deixar-nos mais frios, mais distantes, mais injustos. Muitas vezes a própria razão precisa de emoção. Eu posso estar cheio de razão mas se não entender que do outro lado está uma pessoa que precisa do meu bom senso, só a razão vai destruir. Devemos ter os pratos equilibrados, nem sempre consigo, ou melhor poucas vezes consigo, mas adiante… 

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Se tivesses que dar nome a um fado que descrevesse a tua vida qual seria? 

 

[Pensa…] Turbilhão. Lá está, isto casa claramente com a tua pergunta anterior. O turbilhão entre a razão e a emoção, entre o organizado e o desorganizado, entre o que tu pensas o que tu fazes e o que dizes. Muitas vezes passo uma imagem serena e calma, mas vivo um turbilhão interior muito grande. 

 

 

Quem são os teus grandes exemplos? 

 

Ui… Isso dava uma entrevista só essa pergunta…Eu sou muito pouco de ter ídolos, porque essas coisas devem ser no dia-a-dia. Eu sou fã dos meus amigos, sou fã das pessoas que me tratam bem, sou fã das pessoas com quem me relaciono. Depois é obvio que pessoas pelos seus exemplos de vida nos chamam à atenção, levam a pensar “quem me dera a mim ter aquela coragem, ser assim…” Posso dizer, o Gandi, a Madre Teresa de Calcutá e João Paulo II, são três figuras de que gosto e admiro bastante pelas suas acções, pensamentos e atitudes.  

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Vamos terminar onde começámos. Estremoz é o teu porto de abrigo? 

 

As nossas terras são sempre os nossos portos de abrigo, o mais que não seja porque estás sempre a regressar aos teus. Eu já disse isto muitas vezes, quando as coisas nos correrem muito mal, eu tenho a certeza que os nossos nos vão querer sempre, é como a família. Os pais por piores que os filhos sejam, estão sempre de braços abertos. Estremoz será sempre um ponto de abrigo, sendo que eu sou muito pouco de âncoras. Eu faço-me sempre da terra onde estou, e vivo bem assim. Já não é a primeira vez que saio de Estremoz, sai muito novo para a Marinha Grande onde fui jogar hóquei e faço-me facilmente das terras onde estou, gosto das terras onde estou. Actualmente estou no Estoril e gosto muito. Se por um lado Estremoz pode ser o meu porto de abrigo como tu dizes, nesta altura da minha vida posso dizer que o Estoril é a minha casa de todos os dias. Se Estremoz é onde posso ir abrigar-me, hoje em dia o Estoril…o mar mexe muito comigo, tenho uma relação muito especial com o mar e portanto…é estranho dizer isto…A planície do meu Alentejo e o mar do Estoril…Estremoz será o meu porto de abrigo porque sei que ali me defenderão sempre, mas actualmente onde me sinto melhor e onde me sinto mais eu é no Estoril. 

 

 

Esta entrevista foi realizada no JAPESTUDIOS, em Sacavém, a quem agradecemos todas as facilidades concedidas.

Rui Lavrador

Iniciou em 2011 o seu percurso em comunicação social, tendo integrado vários projectos editoriais. Durante o seu percurso integrou projectos como Jornal Hardmúsica, LusoNotícias, Toureio.pt, ODigital.pt, entre outros Órgãos de Comunicação Social nacionais, na redacção de vários artigos. Entrevistou a grande maioria das personalidades mais importantes da vida social e cultural do país, destacando-se, também, na apreciação de vários espectáculos. Durante o seu percurso, deu a conhecer vários artistas, até então desconhecidos, ao grande público. Em 2015 criou e fundou o Infocul.pt, projecto no qual assume a direcção editorial.

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