Luís Miguel Pombeiro foi o empresário responsável pela organização das corridas de touros na Praça de Touros do Campo Pequeno em 2020, após vencer concurso público lançado pela Plateia Colossal, a nova administração desta sala. Manter-se-á em 2021.
Luís Miguel Pombeiro foi também o primeiro empresário, a nível mundial, a organizar uma corrida de touros em 2020, após o período de confinamento, devido à pandemia provocada pela COVID-19.
O empresário abriu as portas de sua casa para receber o Infocul. Numa entrevista em que abordou vários assuntos, Luís Miguel Pombeiro não deixou nada por dizer. Uma entrevista ao empresário e ao homem.
Balanço 2020
“É um balanço positivo em certos aspectos, mas na maioria é negativo”, disse o empresário sobre o balanço deste ano, lembrando que “não fomos os mais prejudicados, mas fomos bastante prejudicados porque maioria das praças não abriram”.
“De 230/240 corridas passámos para 48/50 corridas”, acrescentou, considerando que “é um abaixamento significativo”.
Puxou dos galões para recordar que “felizmente conseguimos arrancar, muito por culpa minha. E a verdade é que conseguimos fazer uma minitemporada que acabou por ser boa, dentro das condicionantes que tivemos”.
“A minha função era arrancar para não deixar morrer a causa. É uma arte que para existir precisa de ter continuidade”, continuou.
Para a corrida de touros em Estremoz, a 11 de Julho, escolheu o lema ‘Resistiremos’, promovendo-o com a música de Zeca Afonso “Traz outro amigo também”.
“Eu acho que esse lema na altura foi muito bem escolhido e continua a ser”, disse-nos e avançou que “o lema da temporada 2021 será também “Resistiremos”, porque enquanto continuarmos a ter todos estes ataques, que infelizmente são ataques de ignorantes…”
Luís Miguel Pombeiro explica que “gosto de ser atacado por pessoas cultas, que saibam daquilo que estão a falar. Aqueles que nos atacam são ignorantes, populistas, do populismo mais reles e vil que há”, referindo-se aos anti-taurinos.
Acrescentou que “atacam-nos muito com mentiras e fake news e os canais generalistas vão muito atrás dessa infantilidade”, considerando isso um dos problemas graves a enfrentar, além da pandemia, porque “além da pandemia temos de combater os idiotas. E combater os idiotas é a coisa mais cansativa que há. É mais cansativo combater os idiotas do que a pandemia”.
Destacou ainda o facto de não terem existido “surtos de COVID-19 na cultura. Temos cumprido todas as regras de segurança”.
Uma aventura em Lisboa, na Praça de Touros do Campo Pequeno
Lisboa é a catedral do toureio a cavalo e os cartéis ali apresentados são sempre alvos de discussão.
Questionado se, numa temporada marcada pela pandemia, foi complicado chegar a acordo com os cavaleiros em termos de cachet, disse-nos que “eu prefiro não falar do passado, mas sim daquilo que penso para o futuro. Mas a verdade é que não foi fácil. Eu acho que há um antes-covid e um pós-covid”.
Exemplificou ao destacar que “há ideia de que o promotor é que ganha dinheiro, mas não é verdade. Se assim fosse, eu não seria o único profissional da tauromaquia. Eu vivo disto. Outros têm de viver de outras profissões. Não quero menosprezar ninguém, mas já é tempo de respeitarem mais o empresário, do que aquilo que acontece hoje em dia”, lembrando que há empresários que têm outras actividades além da tauromaquia, como forma de subsistência.
Subiu o tom para relembrar que “há intervenientes que não percebem que sem empresários não há tauromaquia. A não ser que os toureiros se façam empresários. E nesse dia que o fizerem, vão dizer “epá venham novamente os empresários, que isto não é aquilo que a gente pensa”.
“Amor à festa” é das expressões mais usuais na gíria tauromáquica, aproveitando-se para questionar o empresário se alguns toureiros olharam mais para os seus bolsos do que para o proclamado amor à festa, tendo Pombeiro afirmado que “sim, alguns talvez tenham pensado nisso. É natural que o pensem”.
Quanto a novidades para a temporada 2021, é pragmático ao afirmar que “não sabemos o que vai ser 2021 nem quando termina a pandemia”, mas deixou a certeza de que “eu nasci nisto e hei de morrer nisto. Não vou sair rico disto. Mas vou morrer com o sentimento de dever cumprido”.
Deixa o alerta de que “temos de pensar que a festa para continuar, temos de lançar novos valores. Temos de criar estratégias de comunicação”.
Lembra ainda que “sempre prejudiquei a minha família, em prol da tauromaquia. Os meus filhos mais velhos têm mais razão de queixa. Eu fui sempre de ir para Espanha, França, aqui, acolá, para isto e para aquilo, mas sempre ligado a isto”.
Relativamente às praças que gere, com destaque para a do Campo Pequeno, “tenho de cumprir aquilo que eles me pedem para cumprir, seja o caderno de encargos seja o contrato. É isso que procuro fazer em todas as praças onde estou”.
Sobre a temporada 2020 em Lisboa disse que “como aficionado digo-lhe que os seis curros de touros que foram ao Campo Pequeno estavam irrepreensíveis. Ninguém pode pegar pelos touros, pelos forcados também não…”
Confrontado com as escolhas em termos de cavaleiros, disse-nos que “dos cavaleiros não sei o que podem dizer. O Duarte Pinto foi lá três vezes? Foi, sim senhor. Para já, represento-o. É a mesma coisa que eu ser representante dos Simple Minds e eles não virem ao Campo Pequeno ou eu ser representante da Carminho e ela não estar nos espectáculos que eu dê…”
“Diga-me qual foi a corrida em que o Duarte Pinto esteve mal. Eu nunca o vi mal. Esteve sempre extraordinário e foi sempre realçado por diversos críticos. Houve outros cavaleiros que foram duas vezes. E houve outros que não foram”, acrescentou.
Desafiador como gosta de ser, Pombeiro deixou o desafio aos jornalistas: “Mas não têm de me perguntar a mim porque eles não foram. Têm de perguntar a eles”.
“Eu como aficionado, acho que o Campo Pequeno cumpriu o seu dever, deu corridas. Depois de um inverno inteiro cheio de notícias de que não haveriam corridas no Campo Pequeno e que os novos donos do Campo Pequeno “isto, aquilo e não sei o quê” e a inventarem uma série de situações, porque na tauromaquia como noutras áreas da cultura quando não se sabe inventa-se…”, acrescentou.
“Como aficionado, preencheu-me”, reforçou, detalhando que “dei uma corrida mista, em seis espectáculos. E não me venham com coisas, porque quando eu quis dar a Feira de Outubro todos fugiram e ninguém quis. Tive dois ou três que ficaram do meu lado. Uns disseram que já era fora de época, outros já tinham os cavalos desferrados, outros tinham as celas untadas”.
Considera que “foi a temporada possível. No início faltaram uns, no fim faltaram outros. Não houve hipótese de trazer figuras estrangeiras. Sejam luso-descendentes ou não. Não houve hipótese”.
Várias críticas se levantaram contra os cartéis apresentados e questionámos o empresário se os jornalistas o questionaram sobre as opções tomadas, tendo Pombeiro afirmado que “Não. Tirando duas ou três conversas que tive consigo e com o Miguel Alvarenga, ninguém me veio perguntar nada”.
Sobre o facto de não ter esgotado a lotação permitida do Campo Pequeno por uma única vez esta temporada foi sintático ao afirmar que “dou a desculpa da pandemia. Porque não quero crer que não temos aficionados suficientes para encher o Campo Pequeno”.
“Acredito que tenha sido a pandemia, o não haver turistas, o não haver emigrantes, não haver venda de bebidas alcoólicas à noite. Uma série de factores”, acrescentou.
“Não mexemos nos preços”, afirmou. Sobre as ausências de João Moura e Rui Fernandes disse que “João Moura não esteve presente porque não chegámos a acordo financeiro” e “Rui Fernandes pensámos em contratar para a segunda parte da temporada e já não conseguimos”.
Na única corrida mista que ali levou a cabo, com fraca adesão do público, disse que “pensei sempre no TóJó [António João Ferreira] porque tinha sido colhido lá no ano passado, portanto, achei que merecia voltar ao Campo Pequeno. Houve a possibilidade de serem dois matadores, o que complicaria a parte a cavalo porque nem todos querem tourear a duo. Oito touros seria um exagero. António Telles e Francisco Palha não são figuras do toureio?”
Mas a verdade é que sendo figuras não esgotaram o Campo Pequeno, mas o empresário defendeu os artistas porque “por muito que diga, eu não vou culpar os cavaleiros. Ou é culpa minha ou foi culpa da pandemia. Rui, eu não quero acreditar que os cavaleiros portugueses não metem gente”, disse.
Deixou ainda um elogio aos forcados, considerando que “temos um produto vendável para o mundo que é o forcado português. É inigualável. Não há em mais nenhuma parte do mundo. Há nos EUA e são portugueses e no México há umas imitações”.
Sobre novidades em termos de cartéis para Lisboa em 2021, foi parco em palavras: “Não posso dizer nada. Tenho ganadarias contratadas, cavaleiros contratados. Tudo apalavrado. Mas estamos em plena pandemia. Não posso dizer nada…”
Apoderamentos, com a novidade João Moura Caetano
Recentemente anunciou-se o apoderamento de João Moura Caetano, por parte de Luís Miguel Pombeiro, tendo o empresário agora firmado que “apoderamento confirmado do Duarte Pinto, João Moura Caetano e o Manuel de Oliveira”, não fechando a porta a mais novidades.
Sobre a equipa que o rodeia, destaca que “há uma equipa composta por mim, pelo meu filho e pelo Tiago [Martins] e que pode ser aumentada relativamente à empresa Ovação e Palmas e também em termos de apoderamentos”
Não fecha a porta a novidades, porque “há sempre possibilidade. Eu não me quero ficar apenas pelas praças que tenho, não me quero ficar apenas pelo meu país”.
Parceria com Simón Casas
Recentemente esteve em Sevilha, onde se reuniu com o empresário francês Simón Casas (considerado o maior produtor tauromáquico a nível mundial).
Sobre esta parceria disse que “existem projectos, ideias e que a seu tempo se saberão”, acrescentando que “é uma possibilidade [criação de um circuito na contratação de artistas, para as praças geridas por Simon Casas e Luís Miguel Pombeiro]”
E desta parceria, deixa a primeira grande novidade: “Há possibilidade, e isso dou-lhe em primeira mão, voltar a existirem corridas à Portuguesa em França. É uma outra das vertentes que estamos a pensar fazer”, recordando que “as corridas à Portuguesa já tiveram tempos áureos em França. As pessoas adoram os forcados, há pessoas que não gostam de ver a morte do touro e, portanto, a Corrida à Portuguesa, com os touros embolados e farpas à portuguesa, lá foram são muito bem aceites”.
Luís Miguel Pombeiro tem vontade em ser um exportador da tauromaquia nacional para outros países.
“Temos um produto fantástico, como já disse, que é o forcado. Temos outro que são as ganadarias, em que temos uma capacidade de selecção muito superior à que existe em Espanha. (…) Temos um património de ganadeiros que está ao nível do melhor do mundo”, disse, acrescentando que “temos ganadarias para dar cartas em todo o mundo”.
Deixa um desejo, que carece de concretização: “Isso era uma coisa que eu gostava de aportar. Não sei se o farei ou não, não faço futurologia”, sobre colocar as ganadarias portuguesas a sair em mais praças estrangeiras.
Sobre a parceria com Simón Casas disse ainda que “a nossa parceria é ao nível da internacionalização na China, nos Estados Unidos, no Brasil. Lisboa, Nimes, Madrid são capitais do toureio e que têm interesse em promoverem-se fora do habitat natural da tauromaquia”.
Confessou-nos que gostava de ter uma casa em Sevilha e sobre a sua ligação a Espanha disse-nos que “há muito mais coisas pensadas ao nível de Espanha. Tenho lá grandes amigos como são os Garzón, Julián Alonso, várias pessoas com quem converso muito, porque me aportam sabedoria, conhecimento, uma outra visão”.
Homem de lágrima fácil e de fé!
Muito se falou sobre o empresário e apoderado, mas pouco sobre quem é o homem.
Luís Miguel Pombeiro assume que “foi o ano mais difícil”, clarificando que “não ganhei dinheiro” e revelando mesmo que “perdi dinheiro”.
Considera-se um homem de muita fé, “se não fosse um homem de fé, não tinha aceitado este desafio [Campo Pequeno]”.
Critica a velocidade vertiginosa com que vivemos actualmente, porque “sinto que vivemos a correr, inclusive eu próprio. Das coisas que mais gosto é ler e não tenho tido tempo. É uma coisa que critico a mim mesmo. A minha vida é tão a correr que acabo por não ter tempo para fazer aquilo que gosto”.
Diz-se “um homem simples, demasiado simples. Sou um livre pensador, sou um sonhador, sou um democrata sendo autoritário no meu dia-a-dia”.
Mas rapidamente, ao falar de si, voltamos à tauromaquia.
Lembrou uma frase que eu lhe disse numa das várias conversas telefónicas que tivemos: “Disse-me uma frase que foi das que mais me fez pensar ultimamente: “A tauromaquia não age, reage” e, se pensarmos, é verdade. A Prótoiro muitas vezes reage, ao invés de agir. Mas eu sei que a Prótoiro continua a agir e que muitas vezes não interessa que se saiba onde age”.
Assumiu também que “a minha paixão é o toureio a cavalo, embora adore toureio a pé. A minha paixão são também os cavalos, os touros, vivo disto, quero continuar a viver disto e vou continuar a defender isto até à morte e se for preciso com a própria morte”.
Gosta de “estar com os amigos em tertúlia,” mas “não gosto de estar sentado à mesa durante muito tempo, embora esteja gordo e anafado. Considero que estar muito tempo à mesa, é perder tempo”. Só gosta de estar à mesa em tertúlia, para comer não gosta de demorar muito tempo.
“Lido bem com as críticas, mas gosto de uma boa guerra”, disse-nos ainda, antes de recordar o seu pai, de quem disse que “sinto muito a falta dele. Penso nele todos os dias”.
“Sou um homem de lágrima fácil. Emociono-me bastante”, quer “publicamente ou em família, sou uma pessoa emocional e sentimental”.
“Já abdiquei de muita coisa com a minha família, por causa da tauromaquia”, disse ainda, antes de elogiar a sua família e o amor que esta lhe tem.
O streaming, a nova presidência da APET e critícas à Associação Nacional de Toureiros
As transmissões em streaming, através da Ticketline Live Stage, foram uma das novidades da tauromaquia em 2020.
Luís Miguel Pombeiro defende que “o streaming não substitui as televisões, mas é uma ajuda”.
Criticou a Associação Nacional de Toureiros pelos valores que cobra por cada transmissão televisiva de uma corrida de touros, explicando que é necessária entreajuda e união entre todos os sectores da tauromaquia para que esta evolua.
Sobre a nova presidência da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos, a cargo de Ricardo Levesinho, disse que “não tiveram tempo ainda, começaram há meia dúzia de meses. Penso que apanhou a APET na pior fase, não havia corridas. Penso que ainda não se pode fazer um balanço porque não houve uma assembleia geral em pudéssemos dizer A+B. Penso que o trabalho que ele terá começa agora, que é passar a lotação das praças de 30% para 50%, de 50% para 75% e é nesse trabalho que ele vai ter de demonstrar a sua capacidade de organização, mobilização e intervenção. Neste inverno terá de demonstrar a sua capacidade de negociação com o IGAC, que o apoiará, e a DGS”.
Na Praça de Touros do Campo Pequeno esteve Rui Bento Vasques como director de actividades tauromáquicas durante 14 anos.
Questionámos se neste primeiro ano sentiu o peso do legado de Rui Bento Vasques, tendo Pombeiro afirmado que o “peso extra foi a pandemia. Tínhamos um encargo que não tiveram antes que foi o IVA [passou de 6% para 23%] e depois a pandemia. Portanto não podemos fazer um balanço quando temos uma pandemia, que irá continuar a estar…”
“Se calhar só em 2022 é que se pode provar que o Campo Pequeno deve dar 3, 6, 10 ou 15 corridas de touros”, acrescentou.
Deixou ainda um elogio à Plateia Colossal, assumindo que “tenho muito respeito por quem lá está e aprendi muito com as pessoas da organização. Estão no espectáculo há muitos anos e deram-me uma visão do que é branding, a marca, o espectáculo, a diversificação, a estratégia. Tenho aprendido com quem lá está, no dia-a-dia, a ver outros espectáculos, a organização…”.
Uma entrevista para ver na íntegra, no link abaixo:
Entrevista e Texto: Rui Lavrador
Vídeo: Rute Nunes e Carlos Pedroso