Matilde Cid, natural de Estremoz, encerrou a edição de 2016 do ciclo Há Fado no Cais, uma parceria do Museu do Fado e do Centro Cultural de Belém, com um espectáculo bem conseguido e onde levou alguns convidados no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém.
Matilde Cid é natural de Estremoz e o concerto de ontem, 16 de Dezembro, foi o primeiro em nome próprio que deu ao longo do seu percurso no Fado. Notava-se a emoção e imensa alegria de pisar o palco de “uma das salas mais importantes de Portugal” como fez questão de referir, agradecendo o “convite do Hélder Moutinho para eu cá vir cantar”.
Após surgir cantando um medley com “Tudo isto é fado” e “O Fado de ser fadista”, cumprimentou o público e não escondeu a alegria por “ver tanta gente. Pagaram todos bilhete para me verem. Espero não desiludir”. E não desiludiu.
Seguiu-se a primeira grande interpretação da noite com “Saudades de Júlia Mendes” antes de recordar o momento em que começou a cantar na sua terra natal. Falou das suas referências e do modo como o fado lhe chegou, através da família, para abordar o nome de Maria Teresa de Noronha de quem cantou “Rosa Enjeitada”.
Matilde Cid fez ainda questão de explicar ao público a diferença entre fados tradicionais e fados musicados. A diferença maior é “que os fados tradicionais não têm refrão, pois o objectivo é contarem uma história e quando contamos uma história não devemos ser repetitivos”. Esta explicação serviu de introdução ao fado Maria Vitória, intitulado “A saudade aconteceu” da autoria de Jorge Rosa.
“Eu já não sei” de Domingos Gonçalves Costa e Carlos Rocha trouxe a palco Francisco Salvação Barreto para em dueto com Matilde Cid proporcionarem um bonito encontro de timbres diferentes mas que juntos resultaram. Francisco Salvação Barreto que foi ainda “cravado” por Matilde Cid para cantar mais um fado, desta vez a solo, optando por “Meu amor anda em fama” de Pedro Homem de Melo, um dos nomes maiores do fado e que nos deixou alguns dos mais bonitos fados que hoje escutamos na voz de muitos fadistas.
Continuando na senda dos fados tradicionais, oportunidade para ouvirmos o fado corrido, “um dos mais importantes no fado tradicional. Ninguém sabe quem o escreveu portanto deve ser mesmo muito velhinho” disse bem humorada Matilde Cid.
E se na maioria do seu espectáculo, foi acompanhada pelo trio tradicional de fado com Bernardo Romão na guitarra portuguesa, Jaime Santos Jr na viola de fado e Francisco Gaspar no baixo, Matilde Cid não se coibiu, e ainda bem, de levar ao palco do CCB, o piano e acordeão para dois temas: “Na rua dos meus ciúmes” e “Senhora da Nazaré”. Duas interpretações de grande qualidade e carregadas de sentimento, acompanhada por Francisco Balula Cid no piano e Pedro Santos no acordeão. Seguiu-se o habitual momento da guitarra que mostrou o virtuosismo do trio de fado.
Matilde Cid regressou a palco para “Gostei de Ti”. A fadista alentejana mostrou ao longo do espectáculo uma dicção de grande qualidade, uma projecção vocal que sabe controlar e uma linguagem corporal que não entra em exageros ou floreados. Com Matilde Cid o fado é nu e cru. A emoção marca presença em tudo o que canta e consegue transmitir tudo o que sente. Ontem notou-se que tem falta de palco em alguns momentos em que falou por cima dos aplausos na ansiedade de dizer tudo o que sentia. Matilde Cid provou que o fado conta com vozes que merecem mais espectáculos e que há ainda tanto por descobrir. Basta que os programadores não apostem no facilitismo de apenas contratarem os artistas de maior projecção mediática e si aqueles que fazem do talento o seu principal trunfo.
Seguiu-se um momento em que chamou ao palco “a minha rapaziada dos fados”, destacando-se nomes como Carmo Moniz Pereira, Manuel Marçal, Gonçalo Castelbranco ou Francisco Salvação Barreto. O espectáculo podia ter terminado neste momento porque terminaria em grande mas Matilde Cid ainda ofereceu mais ao público.
Prestou homenagem aos forcados, “uma tradição que querem acabar com ela mas não conseguem”, com “Moço Forcado”. Relembrou ainda Carlos Ramos, um dos nomes mais importantes no fado. E continuando a homenagem às tradições recordou as tascas com “A tendinha”.
O público gostava do que ouvia e num prolongado e sonoro aplauso obrigou a fadista a um encore, no qual cantou um tema dedicado a Lisboa.
Matilde Cid fechou assim com chave de ouro a edição de 2016 de Há Fado no Cais. Seria interessante em 2017 termos oportunidade de ver Matilde Cid em mais palcos nacionais.
Fotografias: Alfredo Matos