“Extraordinários!” os embaixadores, como autênticos Vingadores do Cante, no espetáculo de encerramento dos Sabores no Barro, em Beringel no dia de ontem, 30 de março, nas palavras do presidente da Junta de Freguesia.
Texto: André Nunes
Fotografias: Diogo Nora
Vítor Besugo, o presidente, deu o mote pelas 18h para o que seria uma performance do embaixador Bruno Chaveiro e amigos, no espaço Embaixada do Cante. O que seria uma performance às 18h e às 18h30 seria o espetáculo de encerramento com embaixadores e convidados depressa se tornou uma só atuação, a uma só voz entre embaixadores, convidados e público.
Em Beringel respirou-se gastronomia, arte do barro e música da boa
Já que a espontaneidade e simplicidade como valores excepcionais são o mote de todas as edições dos Sabores no Barro, o encerramento não podia ser diferente. Foi como se estivéssemos todos à mesa, entre copos e boas refeições maternais, e alguém começasse o primeiro verso bem alto e com orgulho das suas raízes.
Para começar, Vítor Besugo frisou a importância de chegar a este dia com o público a considerar Beringel como a capital do Cante.
“Obrigado ao Alentejo, obrigado a toda a comunicação social e trabalhadores da autarquia”, iniciou. “Temos aqui músicos com amor ao Cante. Uma salva de palmas para eles”, continuou, com Buba Espinho já em palco, como embaixador.
Desde expositores de vinho da talha a artesanato variado, também a cerveja esteve presente no certame e o presidente chamou a palco o responsável pela cerveja artesanal local, Cerveja Beringeleira. Tal como chamou o produtor dos vinhos Xico Garcia e Convento da Tomina, e todos os outros expositores, que com as suas artes valorizaram ainda mais estes três dias de procissão cultural a Beringel.
O momento climático
“Ao longo de onze anos, só não vieram na pandemia. A todos os que têm stands de artesanato, vou chamar-vos ao palco. Levantarem-se às 5 da manhã para aqui estarem a mostrar o vosso produto não é fácil”, declara o presidente da junta.
“Besugo é fixe”, responderam os comerciantes, num trocadilho com o slogan de Beringel e do evento, “Beringel ‘tá na moda!”.
Assim, e com este mote, o presidente dá início ao espetáculo de encerramento. As horas mais climáticas de três dias de gastronomia, música e arte. Três valores que estiveram na atmosfera de Beringel, e foram respirados por todos.
Respirar emoções com embaixadores do melhor
Bruno Chaveiro, com toda a emoção do momento e pronto a mostrar a verdade da alma do Alentejo, inicia sozinho e vai chamando os convidados. Aliás, os amigos. Amigos de nós todos pela atmosfera intimista que se sentia.
Depressa um instrumental de guitarra portuguesa, dedilhado com maestria por Chaveiro, toma conta da Embaixada do Cante, antes do tema “Sete saias”.
Os convidados seriam Luís Trigacheiro, Eduardo Espinho, Beatriz Felício, Os Descendentes (que deram um espetáculo antes), Luís Aleixo dos Bandidos do Cante, Mara, Tiago Correia e Luís Espinho, pai de Buba e Eduardo, entre mais alguns elementos próximos dos cantores.
“Eduardo Espinho, uma das razões por que há tantas pessoas do Alentejo a escrever e a gravar. Este homem torna isso possível”, declara Chaveiro.
Depois, foi possível ouvir alguns fados clássicos e originais, com todos nós a balançar cabeça e corpo suavemente, sentados ou levantos, como “Não é fadista quem quer”.
Segue-se assim, em boa companhia, uma tradicional desgarrada ao despique, para alegria e risos do público, transportados para uma infinidade de becos, casas e tabernas do Alentejo, de Lisboa e do Norte, assim como do Ribatejo e Algarve. Um momento transversal na sua portugalidade e ânimo lusitano.
Colher romãs e conhecer a linda jovem pastora dos contos
“Ó és tão linda, és tão formosa, Como a fresca rosa que no jardim vi” continuou este momento, e a “memória linda” tende a permanecer em quem assistiu a estes três dias, tal como na moda “Para que quero eu olhos”. “Fui colher uma romã” foi a moda seguinte, sobre fugir de quem gostamos e não sente a nossa falta. Por isso mais vale escapar, enquanto olhamos para o campo como sítio de simplicidade, mas de desgosto, a pensar nas lindas músicas diretas e orgânicas das tabernas onde estavam os nossos avós, na “Taberna do Centro”. Onde cantavam com quem lhes ensinava as letras.
Letras, por exemplo, da moda que cantaram depois: “Linda jovem era pastora”. Letras que apontam e disparam para locais do nosso âmago que não queríamos, até porque a “Linda jovem era pastora, Andava a guardar seu gado. E em vindo à tarde, à tardinha, Cantava a jovem sozinha, Pensando em seu bem amado!”. E somos levados a pensar em quem seria esta linda pastora, a pensar nas longas paisagens alentejanas pintadas com pinceladas de pecuária, que transforma o nosso imaginário e pesa por saber o sacrifício que atividades como agricultura e pecuária requerem, especialmente em tempos que já não voltam.
“Menina Florentina”, “Maria Campaniça” e “Ilha dos Vidros” foram as modas sequentes, já com todos os embaixadores presentes em palco, a cantar em família e para família.
Temos mais saudades do que sangue a correr
E eis que Luís Trigacheiro dá a entender que iremos ouvir “Meu nome é saudade”, com o primeiro verso”. Já com todos em palco, os Sabores no Barro tornaram-se uma grande casa que encobriu todos os visitantes. Aliás, um grande lar, mais quente e confortável que uma casa. Estavam juntos os Vingadores do Cante Alentejano.
Com quase todos os embaixadores em palco, “embaixadorazinha” Beatriz, convidados especiais, outros intérpretes do certame e participação especial de Luís Trigacheiro, era o evento principal. E todos nos sentimos como se fosse esse evento principal, o combate supremo pelas nossas emoções, contra elas e ao lado delas.
E chegamos ao hino da melancolia e saudade felizes. Mesmo que ela doa, é um sentimento confortável, sinal da nossa humanidade e que podemos voltar a amar-nos e a amar alguém. “Meu Nome É Saudade” é o nome do tema de Trigacheiro. E nesses minutos, a ouvir tão bela canção, fomos todos saudade. Era “a saudade a chamar por mim”, por nós, pois somos a “história que ninguém quer ouvir”, e o “medo que ninguém quer sentir”.
Mas, com ênfase e heroicidade, vamos querer “nascer de novo” e acordar “já sem querer mais fugir”. Porque sabemos que nem tudo em nós “é mau” nem “dor”. “Sem mim não há amor”, mas também não há sem o Alentejo, nem sem a saudade.
A saudade de abraçar o Alentejo aperta
E, a saudade aperta, com o final a que assistimos ontem. Para finalizar, e como não podia deixar de ser, os músicos cantaram algo que já todos sabemos. Pela dimensão física e pela dimensão emocional: “É tão grande o Alentejo”!
Em conclusão, a última moda diz que o Alentejo “tem sido sempre esquecido”, mas só por quem não tem coração. E é já uma marca no mundo. Contudo, é em sítios como Beringel que se percebe o estoicismo lacrimejante e ancestral desta terra, a “terra que dá o pão” e que nos faz apaixonar. Por nada em específico… faz apaixonar por tudo, pela vida no seu todo até em simples momentos. Estes locais alentejanos são mesmo grandes!




