“O Fantasma da Ópera” voltou a Lisboa e tomou conta do Campo Pequeno

“O Fantasma da Ópera” voltou a Lisboa e tomou conta do Campo Pequeno, na noite de ontem, para uma curta temporada na capital portuguesa.

Na noite de ontem, o Campo Pequeno cheirava a perfume leve, daqueles que ficam no ar quando as pessoas se sentam e respiram ao mesmo tempo. Luzes a subir devagar, um murmúrio de expectativa, alguém atrás de mim a sussurrar o tema principal como quem testa a memória. E, de repente, aquele prólogo que nos puxa para dentro – como se a arena, de um momento para o outro, tivesse aprendido a ser teatro.

Não é todos os dias que “O Fantasma da Ópera” aterra em Lisboa com este músculo. A maquinaria é grande mas discreta: chega, faz o que tem de fazer e sai sem pedir licença. O lustre ameaça, claro, e o público sorri antes de aplaudir – sabe-se de cor a coreografia emocional. Mas o que me impressionou foi a precisão com que tudo respira: a orquestra que não engole as vozes, o coro que entra como maré, as transições que parecem óbvias porque são difíceis.

Há também um orgulho que se nota nos ombros de quem aplaude: há talento português no elenco. Lara Martins, com aquela presença que não precisa de sublinhados, dá uma Carlotta divertida e exigente, muito segura no registo vocal e no “veneno” certo do papel. Francisca Mendo está no corpo de bailado e ajuda a levantar os grandes quadros com rigor e leveza. Não é folclore: é trabalho consistente. E faz diferença ouvir nomes portugueses num espetáculo desta escala sem que soem a exceção.

A arena que aprendeu a dizer “teatro”

O Campo Pequeno tem um segredo: quando quer, torna-se íntimo. O espaço circular podia ser inimigo do detalhe, mas o desenho de luz fecha o foco, esculpe os cantos, dá-nos corredores de sombra onde a história ganha espessura. A acústica, tantas vezes injustiçada, foi aliada – instrumentais perfeitos, vozes a sair da boca e não das colunas. Percebe-se que houve tempo e cuidado. E isso muda tudo: o público confia, cala-se nos sítios certos, entrega-se.

O clássico que ainda mexe

Há coisas que sobrevivem ao calendário porque têm boa ossatura. O “Fantasma” vive dessa arquitetura emocional muito simples e muito eficaz: um amor impossível, um génio ferido, um subterrâneo que tanto assusta como seduz. A partitura de Lloyd Webber continua a fazer o que tem de fazer – entra pelos ouvidos e instala-se no corpo. Quem vem pela memória sai com mais um capítulo; quem vem pela primeira vez percebe porque é que este título ganhou o estatuto que tem.

O tempero português

A presença de Lara Martins e Francisca Mendo tem um efeito curioso: aproxima o espetáculo da cidade. Há quem as reconheça, há quem as descubra. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: um aplauso mais quente, como se Lisboa, por um instante, se visse ao espelho de um palco que, quase sempre, nos chega de fora. Não é chauvinismo: é saudável ambição. Gente nossa a cumprir, lado a lado com equipas internacionais, dá confiança a quem cá trabalha e a quem cá paga bilhete.

Porquê agora, porquê aqui

Produções assim não são só agenda; são sinal de maturidade cultural. Trazem gente de propósito, criam conversa nos cafés, empurram curiosos para outras salas. E lembram que a cidade tem condições para acolher temporadas curtas de grande escala sem perder proximidade. Para quem faz cultura, isto conta: monta-se uma equipa, afinam-se processos, cruza-se método, fica aprendizagem. Para quem assiste, fica uma memória que vale mais do que a soma de efeitos.

Vale a pena?

Vale. Porque é grande sem ser espalhafatoso. Porque há música feita com critério. Porque a técnica serve a emoção e não o contrário. E porque ver artistas portugueses integrados numa produção internacional deste calibre deixa-nos um conforto justo: não estamos apenas a receber um clássico; estamos a fazê-lo nosso.

Saí do Campo Pequeno com aquela sensação boa de quem volta a um sítio conhecido e encontra tudo no lugar – mas polido, vivo, afinado. Não é pouco. Em tempos de programação rápida e memória breve, uma noite destas lembra-nos que o espetáculo só acontece de verdade quando junta oficio, risco e cuidado. Lisboa agradece.

Ide ver até dia 25 de Outubro. Os bilhetes podem ser adquiridos AQUI.

Foto: Everything is New

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