Um morno verão tauromáquico. Texto de André Nunes e Rui Lavrador
A tauromaquia nacional fica, por agora, mais pobre. Marcos Bastinhas, um dos nomes mais populares e carismáticos da atualidade, suspendeu a temporada taurina. A decisão, embora compreensível por razões pessoais (como ele informou no comunicado), representa um duro golpe para o setor, que vê assim afastar-se o único cavaleiro que, neste momento, garante uma verdadeira ligação emocional com o grande público. E, como o pai, tem força de bilheteira e uma legião de fãs que exaltam o seu estilo entre o que é clássico e o que é arriscado, com uma quadra que eleva aquilo que é a sua essência artística. Herdou um grande público, em parte, mas conquistou-o por inteiro. Por um de vários simples factos: Os seus ferros não são apenas momentos técnicos — são explosões de identidade e verdade.
Uma ausência que se sente em cada praça
A ausência de Marcos Bastinhas não é apenas a saída de mais um cavaleiro. É a perda temporária de uma presença única, irrepetível, que se entrega em cada lide com alma, garra e verdade. Em todas as praças por onde passa, Bastinhas cria ambiente, levanta públicos e dá espetáculo. A sua forma de tourear, profundamente comunicativa e vibrante, é hoje incomparável em Portugal.
Mais do que um toureiro, Marcos Bastinhas é um fenómeno de ligação popular. Poucos conseguem transformar uma corrida de toiros num acontecimento, e ele fá-lo, corrida após corrida, com a naturalidade de quem nasceu para isto. Quando vemos uma corrida “do Marcos Bastinhas”, sabemos que o ambiente vai ser intenso e de continuidade da herança tauromáquica. Essa ligação manifesta-se em três tempos: antes, quando os aficionados, entre conversas e cafés, antecipam a sua atuação com entusiasmo; durante, quando todos os olhos se colam a ele e ao que dali poderá surgir — um par, uma pirueta, um momento imprevisível ou a pureza do toureio mais clássico com o seu cunho pessoal; e depois, quando o seu nome continua a ecoar em cada conversa. No carro, a caminho de casa, entre amigos, em tertúlias improvisadas ao redor das praças. “Viste o Bastinhas?”. “Os pares de bandarilhas são sempre O momento”.
Um cavaleiro diferente
O seu estilo é diferente. Não cede à estética vazia nem ao tecnicismo frio. Em Bastinhas, tudo é emoção, risco, espetáculo. Vai ao limite. E fá-lo não por vaidade, mas por respeito ao público e à tradição que herdou do pai, Joaquim Bastinhas.
Apesar de não precisar da tauromaquia para viver — seja por estabilidade pessoal ou reconhecimento alcançado — Marcos Bastinhas entrega-se como se dela dependesse.
“Poderia afastar-se sem que isso alterasse o seu percurso ou estatuto. Mas não o faz. Quando está, dá tudo. Quando sai, fá-lo com verdade”, e isto talvez ele possa mesmo ser o único a fazê-lo.
O impacto da sua ausência
Com a sua saída temporária, perde-se a chama que tantas vezes acende o entusiasmo do público. Bastinhas é, hoje, o único cavaleiro capaz de encher uma praça com aquilo que verdadeiramente importa – as emoções – pela sua presença, pelo seu nome e pela certeza de que haverá espetáculo.
Sem ele, o toureio a cavalo em Portugal perde força mediática, perde impacto direto nas bilheteiras e, sobretudo, perde o toque humano e genuíno que só ele consegue dar.
Esperança no regresso
A esperança agora é que esta suspensão seja apenas uma pausa relativamente curta. Porque a tauromaquia precisa de Marcos Bastinhas. Precisa do seu estilo, da sua entrega e da sua capacidade de emocionar. O público, esse, continuará à espera. Porque sabe que, quando voltar, voltará a dar tudo.
Porém, neste momento é importante que Marcos tenha o seu tempo. Todo o que ele precisar. E espaço para respirar, sem uma imprensa que muito poucas vezes o soube verdadeiramente valorizar. Uma imprensa que, por motivos de incompreensão em teimosia “purista”, não entendeu verdadeiramente a força taurina que Marcos emprega quando é cabeça de cartaz (o que se sucedia em quase todos os cartéis em que actuava). Nem o seu toureio que equilibra épocas, dinastias, História, estórias e estilos numa só lide.
A imprensa taurina portuguesa, por vezes fechada, falhou em reconhecer a autenticidade da sua proposta, confundindo irreverência com ligeireza, e identidade com excesso.
Como um real artista, ele não toureia a meia medida, ele entrega toda a sua vida frente ao touro. De facto, é grande demais para a tauromaquia nacional pois se fosse num outro local, chegaria a atmosferas colossais. Porque transforma cada ferro numa narrativa sentida — e sentida pelo público que o segue com paixão, noite após noite.
Porque há artistas que não cabem em formatos convencionais. E Marcos é um desses. Um cavaleiro com alma e coração de intérprete das maiores narrativas.
Marcos Bastinhas não faz parte da festa. Ele é, neste momento, a festa. A temporada agora segue, mas não lhe chamem festa. Porque disso terá mesmo muito pouco.