Fomos como Setúbal, apaixonados, na voz de Nena, dia 20 de fevereiro pelas 21h no Fórum Municipal Luísa Todi.
Dançar ontem à noite em Setúbal
Um público geracional diverso esperava às portas do espaço com entusiasmo, logo pelas 20h. Falam de quais temas mais gostavam e o que queriam ouvir neste dia. Tinham uma ansiedade artística para ouvir os seus temas favoritos. Já dentro do Fórum, a sala ficou preenchida e todos esperaram por Nena. O espetáculo foi acústico, por isso logo entram os dois únicos músicos que iriam acompanhar a artista: Feodor Bivol na guitarra elétrica e clássica, e Manuel Oliveira no teclado.
O concerto começou com uma energia já habitual nos concertos da Nena, logo com dois temas cheios de poder, “Temos Pena!” e “É o que é”. A primeira canção é uma ode a querer viver sem darmos importância a quem não nos tem, a quem “não lhes convém” e quem “fica a dizer mal” de nós porque a vida é em frente e, realmente, “temos pena!”. Até porque “É o que é”, e o melhor é sempre “ter vivido”. Foi esta a mensagem que arrebatou o público nos dois primeiros temas. Neste segundo tema, Nena disse que iria “dançar hoje à noitе em Setúbal”, trocando a letra “Eu vou dançar hoje à noitе nesta sala”.
Seguiu-se “Do Meu Ao Teu Correio”, com acompanhamento de guitarra clássica da própria. E a cada acorde sentia-se a pesada experiência da personagem da letra, em cada nota sentíamos mesmo que “Eu sei que nesse dia aquilo que havia morreu/ Não tinha salvação”.
Os aplausos sentiram-se e Nena revelou que este ano irá lançar um novo disco, e que está agora a começar a sua nova digressão. Então este concerto iria contar com algumas músicas do seu início de carreira, mas também músicas do novo disco.
E eis que chega o tema “Teorias da Conspiração”, um dos novos, com o qual participou no Festival da Canção 2024. Aproveitou este momento para desejar sorte aos artistas participantes na edição deste ano, que começa a 22 de fevereiro, sábado. Quanto ao tema, num mundo tão complexo faz tanta falta ouvir temas como este, para fazer frente às teorias da conspiração, nem que sejam aquelas que nós criamos na nossa cabeça. “Noutra vida, tu não ias dizer que não”, canta Nena. E pensamos tantas vezes em como seria noutra vida, o que faríamos de diferente e como tudo seria diferente. “Noutra vida” um mote recorrente é que nos faz pensar o que aconteceria noutra vida, num universo paralelo, esta vida que parece um multiverso em que vivemos várias vidas em vários lugares e com várias pessoas. No final, Nena repara num cartaz por entre o público.
Era de uma fã que faz no dia seguinte 12 anos e estava escrito “Posso cantar contigo?” e a pessoa que a acompanhava trazia um cartaz a informar que “Ela faz 12 anos amanhã”. Nena leu, e com a sua boa disposição riu-se e respondeu “Qual?” com entusiasmo. A fã queria “Portas do Sol” e Nena logo afirmou com riso novamente, “Sim, mas essa está mais para o fim do alinhamento”.
Ninguém se esquece que fomos como Setúbal
“Lembras-te de mim?” de Nena e Carolina de Deus foi o tema seguinte, muito acarinhado pelo público, pelo que me apercebi da reação da sala. Segundo Nena, é sobre duas amigas que se separam e são mães atualmente, amizade e maternidade aliadas num só tema. Um aspeto característico nas letras da artista, é que se aplicam a várias pessoas e tocam de forma diferente. Neste caso, escreveu para uma artista mas sentiu-se tão mergulhada no mar da letra, que preferiu interpretar com Carolina de Deus, amiga sua. Aqui Nena foi apenas acompanhada ao piano.
No refrão, Nena pergunta “Lembras-te de mim?”, e o público suspirou a navegar pela sua memória sensorial, e reviram-se na letra. Quem seria que se lembrava deles? Amigos de infância? Amores perdidos? Talvez “the one that got away”. Talvez fosse um desamor que outrora tinha sido o amor da vida, e cujos filhos “serão como os meus também e até iam dar-se bem”. Quantos de nós não nos identificamos ao não saber do paradeiro de pessoas queridas e qualquer um de nós pode dizer “Que perdi com a distância/ Já lá vão uns anos/ Nem sei o que é que faz agora”.
“A subir aos palcos cada público é especial. Eu agradeço do fundo do coração estarem aqui”, agradeceu Nena. E revelou que iria ter surpresas neste concerto, com convidados especiais. Após dizer isto, são colocadas duas cadeiras em palco. O público começou a perceber e entre a plateia começou a ouvir-se “Luís” e “Trigacheiro” com felicidade da aparição surpresa do cantor. E o público chamou e Trigacheiro ouviu. Aparece ao som de muitos aplausos e senta-se numa das cadeiras rotativas. “Odeio cadeiras que rodam e vou estar a rodar o concerto inteiro. Mas depois piro-me”, brincou. O seu bom-humor era contagiante e Nena contou que enquanto almoçava na cidade, decidiu ligar ao seu amigo para ver se estava por perto. Ele aceitou e a atuação foi brilhante mesmo sem sound check como os próprios admitiram. Antes disso, explicam que já se conhecem há algum tempo e Luís Trigacheiro cantou no casamento do irmão de Nena por volta da altura do lançamento da artista e cantaram juntos no casamento também. Foi nessa altura que Trigacheiro pensou “Gosto como ela canta e do timbre dela. Quero gravar uma música com ela”, numa revelação do próprio.
Eles cantam juntos o tema recentíssimo “À Espera do Fim”, Uma homenagem aos nossos emigrantes. “Gostava que absorvessem a letra da canção”, afirmou Trigacheiro. E a magia aconteceu e ficámos a pensar no regresso dos nossos entes queridos, estejam onde estiverem. O timbre dos dois vibrou com o público que mesmo a meio já queria levantar-se e aplaudir.
Setúbal do Country
E as surpresas não acabaram aqui! Logo depois, entra em palco Joana Almeirante, com quem Nena tem o projeto musical 2 Pares de Botas. “É um enorme prazer estar em Setúbal e é um privilégio estar com Nena. Obrigado pelo convite”, começou Joana Almeirante. As duas afirmam que já estiveram em dez datas juntas desde o começo do seu projeto musical e que “já não nos podemos ver, mas mesmo assim ela convida”, em boa disposição.
Ambas fãs de country, sugerem que o ambiente será de country daqui para a frente. Até porque foi o estilo musical que as uniu, e que gostam desde pequenas e as inspirou a escrever música. E logo surge uma cover a duas vozes de “Landslide”, dos Fleetwood Mac, escrita para Stevie Nicks. Um dos temas e bandas que mais as une em gosto musical.
“Achava que só vinha cantar uma música e comer choco frito. Cantei mais do que uma mas comi choco frito”, disse Joana Almeirante. E introduziram mais um cover, “Jolene” de Dolly Parton. Nena tocou na pandeireta num ambiente rústico mas bucólico tal como o country pede. Com muita participação do público como se estivéssemos todos de volta de uma fogueira num saudoso campo infinito a céu aberto, entre amigos, comida e bebida de conforto. O público acompanhou, ao que Nena reparou “Setúbal canta tão bem”.
Como não podia deixar de ser, ficámos com “Diz-se aí…” o primeiro single do duo, que lançou ondas de críticas positivas e partilhas nas redes sociais no final do ano passado. “Quantos homens, quantas balas/ Te trouxeram hoje aqui?/ Já vi/ Que és tal e qual os outros/ Disse ela, quantos fogos/ Tu armaste até aqui?”, e o público vibrou completamente.
Para terminar os temas country, mencionaram a cantora em ascensão Sabrina Carpenter. Segundo Nena, o trabalho de Carpenter “tem country, tem pop, tem um pouco de tudo e é o que desejo fazer. Um pouco de tudo”. “Please, Please, Please” é um dos maiores sucessos da cantora, e o público do Fórum Luísa Todi ouviu a versão de Nena e Joana Almeirante.
Antes do famoso tema que lançou Nena, “Portas do Sol”, ouvimos “Fones nos Ouvidos”. Um tema pesado, dedicado ao seu avô e sobre o que perdemos quando todos à nossa volta vão envelhecendo, e perdemos as histórias e recordações por estarmos ligados ao digital. A cantora pede para todos se desligarem dos telemóveis e gravações por aquele momento musical, pois “temos de tirar os fones dos ouvidos e apreciar tudo de bom à nossa volta e desligar os telemóveis. E aproveitar o momento.”
Nena aproveita este momento para agradecer ao Fórum Municipal Luísa Todi, Câmara Municipal de Setúbal, aos músicos, aos dois convidados especiais e ainda à sua equipa de bastidores, que nem sempre estão visíveis e o seu trabalho é fundamental para que um espetáculo possa acontecer.
E eis que vamos a “Portas do Sol”. “Esta canção fala sobre Lisboa mas hoje vai falar sobre Setúbal. Pode ser Setúbal?”, e os gritos afirmativos do público foram muitos e fortes. “Quer tu esqueças ou guardes/ Mais cedo ou mais tarde/ Vais-te lembrar”. E todos nós, na plateia, a pensar nos que fugiram das nossas vidas amorosas, tudo o que tinha para dar certo e deu errado.
É nesta altura que Nena chama a futura aniversariante de 12 anos ao palco para cantar com ela. Num momento ternurento e com um público eufórico de tão contente que estava por a menina estar a realizar um sonho. Só em Setúbal, e só com Nena é que algo poderia acontecer assim tão fácil e naturalmente.
Infelizmente, faltavam nesta altura apenas dois temas para o final do espetáculo: “Passo a Passo” e “Os Croquetes Acabam”. Nena pede ao público para que se levante, cante e dance estes dois últimos temas para o espetáculo acabar em grande. O público acedeu ao público e até uma criança pequena foi oferecer um desenho à artista neste momento.
Antes da canção final, Nena comentou: “Já comi choco frito ao jantar, mas o que me apetecia mesmo eram uns croquetes”. E o público vai ao rubro com a letra, voz de Nena e guitarra elétrica! E acaba em pé, a dançar, e com muita alegria à mistura após uma viagem única.
Teremos sempre Setúbal
No final, teremos sempre Setúbal. E fomos Setúbal. Foi a ideia com que o público saiu. Todos os lugares e acontecimentos que ficaram nesta cidade estão marcados no seu ser. Mesmo que sigamos em frente, não quer dizer que deixamos estas memórias para trás, pela positiva ou negativa. Teremos sempre Setúbal, os seus bairros típicos carregados de energias e emoções pelo passar das décadas de pesca e industrialização e séculos de história. Anos marcados por este rio que teima em invadir a nossa alma com ondas agitadas de mudança e conforto ao mesmo tempo. Marcados por uma avenida chamada Luísa Todi, em que tanto já aconteceu. Desde discussões, comemorações, despedidas e primeiros beijos. Quem diz Setúbal diz outro lugar. Os lugares que guardam as nossas memórias no ar e não as força a fugir, como se fossem guardiões do tempo. E teremos sempre essas cidades para deixar as recordações chorarem connosco tal como a brisa do rio. Depois deste tempo todo? Teremos sempre Setúbal. E a voz de Nena para nos deixar felizes com um final de espetáculo repleto de positividade e capacidade de nos pôr a todos a cantar e saltar.
Setúbal foi Nena. E ninguém saiu com o seu interior ileso ou indiferente.
Alinhamento de Nena no Fórum Municipal Luísa Todi
- Temos Pena!
- É o que é
- Do Meu Ao Teu Correio
- Teorias da Conspiração
- Lembras-te de mim?
- À Espera do Fim (com Luís Trigacheiro)
- Landslide (com Joana Almeirante)
- Jolene (com Joana Almeirante)
- Diz-se aí… (com Joana Almeirante – single de 2 Pares de Botas)
- Please, Please, Please (com Joana Almeirante)
- Fones nos ouvidos
- Portas do Sol
- Passo a Passo
- Os Croquetes Acabam
Texto: André Nunes / Fotografia: Nuno Tátá
