A Arte de Enganar: Os Falsos Amigos

A Arte de Enganar: Os Falsos Amigos. Todos os temos, uns mais próximos outros mais afastados. O truque é saber identificar.

Há uma espécie peculiar que habita os nossos círculos mais íntimos com uma destreza quase artística. Não chegam a ser inimigos — porque esses, ao menos, têm a dignidade de nos confrontar de frente —, mas também estão longe de merecer o título de amigos. Falo, pois, dos falsos amigos: esses seres que cultivam a amizade com o mesmo zelo com que um jardineiro cuida de uma planta venenosa — com rega, luz e carinho, tudo para que nos envenene devagar.

A sua arte é subtil. Começam por nos elevar com palavras doces, envolvem-nos em elogios com sabor a mel, mas que, com o tempo, se revelam xaropes tóxicos. Dizem que somos especiais, que podem contar connosco para tudo — e, de facto, contam. Contam com o nosso tempo, com a nossa atenção, com a nossa fragilidade emocional. A proximidade é cuidadosamente cultivada, mas não por afeto genuíno. O objetivo é criar uma redoma onde possam exercer o seu pequeno e silencioso domínio, como quem vai moldando barro até fazer dele um bibelô de obediência emocional.

Ah, e não poderia esquecer a sua função de bombeiros emocionais. Quando o mundo lhes desaba em cima — seja por decisões desastrosas, crises previsíveis ou aquele momento típico em que “tudo correu mal” — eles não hesitam em pegar no telefone. Claro, só ligam a ti quando o abismo lhes mostra o fundo; só aparecem quando o castelo de cartas ameaça ruir e lá vais tu, de novo, com o teu paraquedas, a salvar o que resta do desastre alheio. E enquanto te apanhas para reerguer o caos deles, a arte da mentira e da omissão floresce. Porque não perdem uma oportunidade para te mentir, enganar ou ocultar factos, sempre com um claro prejuízo para ti, a pessoa que, ironicamente, escolhem para ser a sua tábua de salvação.

Esses amigos encapuçados não suportam a ideia de que floresçamos fora da sua sombra. São mestres na gestão da culpa: se avançamos, é porque os esquecemos; se hesitamos, é porque não confiamos; se ousamos brilhar, é porque queremos eclipsá-los. Não querem que sejamos melhores — apenas querem que sejamos deles. E não há prisão mais decorada que aquela construída com palavras de afeto.

Controlam cada passo, não com correntes, mas com silêncios estratégicos, olhares julgadores e aquela frase passivo-agressiva dita entre risos: “Claro, agora que estás tão ocupado com a tua vida nova, nem te lembras de mim…”. Ah, o requinte do drama emocional, digno de qualquer telenovela venezuelana.

O falso amigo quer saber tudo, não porque se preocupe, mas porque precisa de gerir a informação — tal como um contabilista das nossas fragilidades. E Deus nos livre de contar-lhe boas notícias. Uma conquista nossa é uma ameaça direta à sua narrativa de superioridade discreta. A felicidade alheia é um espelho desagradável para quem só sabe amar de cima para baixo.

Mas o mais fascinante é que, muitas vezes, só os reconhecemos tarde demais. Porque, ao contrário dos vilões de opereta, os falsos amigos não usam capa preta nem gargalham no escuro. São gentis, prestáveis, disponíveis — até ao momento em que já nos formataram o suficiente para que duvidemos de nós mesmos e dependamos do seu aval para cada passo.

O antídoto, felizmente, existe. Chama-se limite. Impõe-se sem gritos, mas com clareza. É quando deixamos de pedir desculpa por crescer, por mudar, por querer mais. Quando paramos de aceitar migalhas emocionais em nome de uma amizade que só existia enquanto nos mantínhamos pequenos.

Porque amigo, de verdade, não é quem nos diz que somos incríveis — é quem continua a dizê-lo mesmo quando deixamos de precisar que nos digam. E, sobretudo, é quem celebra connosco, não apesar do nosso sucesso… mas por causa dele.

Portanto, aos falsos amigos, um brinde: que encontrem o protagonismo que procuram… na vida deles.

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