“Inside Country Roads” – a segunda edição explora Johnny Cash e “Folsom Prison Blues”

“Inside Country Roads” – a segunda edição explora Johnny Cash e “Folsom Prison Blues”, com a história e significado social deste tema que, a par de dezenas, continua a marcar o cantautor para a eternidade musical e artística. 

Na primeria edição desta nova rubrica sobre country do site Infocul.pt, foi explorado todo o universo inerente a “Country Roads”. Agora vamos para outro tema que foi o grito rebelde (mais um!) de, desta vez, Johnny Cash.

“Folsom Prison Blues” — A arrepiante balada de Johnny Cash tornou-se um clássico do country

O cantor gravou-a duas vezes — a segunda delas na própria prisão de Folsom — e muitos outros seguiram-lhe os passos.

“Disparei sobre um homem em Reno, só para o ver morrer” — é, talvez, a linha mais arrepiante alguma vez escrita numa canção popular. E estas palavras são talvez mais conhecidas do que a própria música de onde vêm: “Folsom Prison Blues”, de Johnny Cash.

Cash explicou à revista Rolling Stone o que inspirou a frase:

“Estava sentado… a tentar pensar na pior razão possível para alguém matar outra pessoa, e foi isso que me veio à cabeça.”

A faixa viria a ser considerada uma das grandes canções da música country americana, e talvez aquela que mais definiu a carreira de Cash. 

“Inside Country Roads” – a segunda edição explora Johnny Cash e “Folsom Prison Blues”

Do mito à cela: a balada sombria que moldou o Homem de Negro

O tema reúne dois arquétipos clássicos da música country — a canção sobre comboios e a canção sobre prisões — bem como duas características centrais da própria figura de Johnny Cash: o pecado e a busca pela redenção.

Curiosamente, esta canção tão americana foi escrita na então Alemanha Ocidental, enquanto Cash servia na Força Aérea dos EUA, no início dos anos 50. Foi inspirada no filme “Inside the Walls of Folsom Prison”, um drama sobre a prisão localizada perto de Sacramento, na Califórnia.

Contudo, Cash inspirou-se fortemente na melodia da canção “Crescent City Blues”, do compositor norte-americano Gordon Jenkins, tendo inclusivamente copiado algumas das suas linhas. Cash explicou que, na altura, não tinha intenção de se tornar compositor profissional e que recebeu conselhos errados sobre os seus direitos de adaptação. 

Mais tarde, resolveu a situação ao pagar a Jenkins uma indemnização de 75 mil dólares (na sequência de um processo em 1969) — e ao criar uma canção muito superior.

Uma bala, um comboio e o peso da culpa: anatomia de um clássico country

Cash acelerou o ritmo lento, mais de estilo blues, de Jenkins, transformando-o num compasso a imitar o som de um comboio — algures entre o country tradicional e o rock and roll — combinação que viria a tornar-se a sua marca sonora. A letra sombria é narrada por um assassino em Reno. Preso em Folsom, é atormentado pelo remorso e pelo som dos comboios a passar: os apitos, o barulho das rodas e os passageiros simbolizam a liberdade que perdeu.

“Eu sei que mereço / Sei que não posso ser livre / Mas aquelas pessoas continuam a passar / E isso é o que me tortura.”

Cash gravou a música pela primeira vez em 1955, para a editora Sun Records, de Sam Phillips, em Memphis. Alcançou o 4.º lugar no top country da Billboard e lançou Cash para o estrelato. Contudo, a segunda gravação, datada de 1968, teria muito mais sucesso.

Nesta altura, a sua carreira já parecia estar em fase de declínio, com um mergulho claro em anfetaminas e sem um êxito musical durante quatro anos. 

Mas, depois de se libertar do vício, decidiu gravar um álbum ao vivo na prisão de Folsom. Cash foi, ao longo da vida, um defensor dos reclusos, e deu inúmeros concertos gratuitos em prisões. Em janeiro de 1968, atuou duas vezes na prisão, gravações essas que originaram o icónico álbum At Folsom Prison.

Nesses concertos, usou pela primeira vez aquela que viria a ser a sua frase de apresentação:

“Hello, I’m Johnny Cash”

Logo depois, ele e a banda arrancaram com “Folsom Prison Blues”. Com a entrada da bateria, a música ganhou um novo peso — soava mais sólida, mais poderosa do que a versão original. A voz dele, grave e carregada de emoção, parecia crescer com a vibração do público e o ambiente que se criava ali, cheia de uma intensidade difícil de ignorar. 

O tema acabou por chegar ao topo do top country da Billboard, entrou nas tabelas principais e valeu-lhe um Grammy para Melhor Performance Vocal Country.

“Inside Country Roads” – a segunda edição explora Johnny Cash e “Folsom Prison Blues”

A canção que definiu uma lenda americana e muitas seguiram o caminho

Ao longo da década de 1960, a canção foi revisitada por muitos dos nomes mais sonantes do country masculino. Charley Pride, Conway Twitty, Waylon Jennings — todos deixaram a sua marca. Mas talvez a ligação mais insólita seja a de Merle Haggard: em 1959, quando Johnny Cash deu um concerto na prisão de San Quentin, Haggard estava lá, entre os presos. Assistiu à atuação não como músico, mas como presidiário, a cumprir pena por assalto.

Bob Dylan também teve um papel importante na história da canção. Gravou-a com The Band durante as sessões conhecidas como “The Basement” Tapes e voltou a trazê-la ao palco durante as suas atuações nos anos 90. Jerry Lee Lewis, por sua vez, não se ficou por uma só versão — registou a música duas vezes: a primeira em 1980 e, anos mais tarde, voltou a fazê-lo em 2014.

Os Blood on the Saddle transformaram-na em punk acelerado em 1987; os Beastie Boys samplaram-na em “Hello Brooklyn”, dois anos depois; e Keb’ Mo’ trouxe-a de volta às origens blues em 2002.

O álbum que ajudou a revitalizar a carreira de Cash

O lançamento de “At Folsom Prison” foi preparado em apenas quatro meses. Ao início, a Columbia não apostou muito na divulgação do álbum. Preferiu concentrar as atenções em canções com um apelo mais pop, achando que teriam mais saída. Mesmo assim, contra as expectativas, o disco acabou por entrar na Billboard Hot 100 e, pouco depois, também nas tabelas de música country.

Numa altura de grande tensão e fragilidade emocional nos Estados Unidos, com o assassinato do senador Robert F. Kennedy em 1968, a crueza de “Disparei sobre um homem em Reno / Só para o ver morrer” foi considerada excessiva. Uma provocação inquietante para uma sociedade ainda em luto. O impacto potencial da letra sobre o público tornava-se, para muitos, difícil de ignorar.

Johnny Cash não concordou, mas a editora decidiu mesmo assim alterar a música — cortaram essa parte e lançaram uma nova versão. Curiosamente (ou talvez não), foi um sucesso: chegou ao topo das tabelas country e entrou para o top 40 nacional. O álbum também acabou por atingir o primeiro lugar na categoria country e vendeu mais de meio milhão de cópias, recebendo assim o disco de ouro.

Legado: a prisão, o remorso e a redenção em três acordes e a verdade

As atuações de Cash em prisões tiveram um efeito duradouro. Aquilo que começou como uma série de concertos transformou-se numa causa. O que ele viu — e ouviu — dentro daqueles muros tocou-o profundamente. Foi ganhando consciência das falhas do sistema e começou a dar voz a quem não a tinha.

Em 1972, já numa fase de grande visibilidade, Cash foi chamado a depor no Senado norte-americano. Nessa audiência, contou várias histórias que os próprios presos lhe haviam relatado ao longo dos anos — casos de abuso, negligência, injustiça. E, com isso, ajudou a trazer o debate para o centro das atenções num país que ainda mal começava a discutir esse tema.

Apresentou uma série de propostas para melhorar o sistema, como: separar os reclusos de primeira vez dos criminosos reincidentes e perigosos, evitar que infractores menores sejam presos e oferecer aconselhamento psicológico aos reclusos antes da sua libertação.

Assim, o álbum “At Folsom Prison” é recordado tanto pelo seu impacto cultural e político, como pela sua importância musical — continuando a ser apreciado por melómanos de todo o mundo até hoje.

A lenda multiplicada: variações sobre uma confissão de Denver a The Highwaymen

 John Denver (com participação de Johnny Cash) –https://www.youtube.com/watch?v=6eM9-BQuyEM 

O dueto de John Denver e Johnny Cash é uma colaboração especial que combina a voz inconfundível e grave de Cash com o estilo suave e melódico de Denver. Nesta interpretação, ambos os artistas mantêm o espírito original da música, mas com um tom mais caloroso e harmonioso, trazendo um equilíbrio entre a crueza do country tradicional e a suavidade folk característica de Denver. 

  
Christian Larsson feat. Rikard From – https://www.youtube.com/watch?v=wMUyXXirthA 

A versão de Folsom Prison Blues por Christian Larsson e Rikard From é uma interpretação moderna e atmosférica. Christian Larsson traz uma voz grave, clara e emotiva, enquanto Rikard From contribui com arranjos instrumentais contemporâneos, criando um clima introspetivo e quase folk-rock. Esta versão mantém a essência da história original, mas com uma sonoridade mais minimalista e de bonança. 

 Roy Clark – https://www.youtube.com/watch?v=tUdTcP-fs9g 

Roy Clark destaca-se pelo virtuosismo instrumental e um tom mais leve e divertido em comparação com a original de Johnny Cash. Uma versão claramente cómica mas com qualidade nos arranjos. 

Clark usa solos de guitarra rápidos e a técnica típica do country, transformando a canção numa exibição técnica cheia de energia. Os seus vocais são mais soltos e a sua performance incluiu humor e carisma, dando à música um toque teatral e descontraído.

The Highwaymen – https://youtu.be/7GH3xIjfGGE?si=t-j20xHIJcGQ-GIA 

“Folsom Prison Blues” pelos The Highwaymen — supergrupo formado por Johnny Cash, Willie Nelson, Waylon Jennings e Kris Kristofferson — é uma interpretação cheia de presença e cumplicidade entre lendas do country. Com Johnny Cash a liderar nos vocais principais, a música mantém o seu tom original forte e sombrio, mas ganha camadas adicionais com as harmonias e intervenções dos restantes membros. 

É uma versão marcada pela maturidade, camaradagem e respeito mútuo, que reforça o peso icónico da canção com uma sonoridade robusta, ao estilo outlaw country.

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