Gonçalo Salgueiro regressa aos palcos e homenageia Fernanda Maria: “É muito arriscado, mas darei o meu melhor”, disse.
Gonçalo Salgueiro prepara-se para atuar nos Recreios da Amadora, no dia 10 de outubro, num concerto especial em homenagem a Fernanda Maria. Em entrevista exclusiva ao Infocul.pt, o artista falou sobre este regresso, a sua carreira e até sobre política.
Na noite de 10 de Outubro, o fadista subirá ao palco dos Recreios da Amadora, para um concerto muito especial.
Com um longo percurso artístico, do teatro ao fado, passando por outros projetos musicais, Gonçalo Salgueiro dispensa apresentações no panorama musical português.
Regresso aos palcos e homenagem a Fernanda Maria
Infocul.pt: Gonçalo, antes de tudo, congratular este regresso aos palcos, visto que tem atuado menos ultimamente. É já do conhecimento público que irá homenagear Fernanda Maria, no concerto que dará nos Recreios da Amadora. Em termos de alinhamento o que já nos pode revelar, tendo em conta que habitualmente o Gonçalo é muito cuidadoso naquilo que interpreta?
Gonçalo Salgueiro: “Antes de tudo mais, muito obrigado ao Infocul, na pessoa do Rui Lavrador, por esta entrevista que é sempre uma fantástica oportunidade de me aproximar ainda mais do meu público habitual e dar-me a conhecer a novos públicos! Penso ser sobejamente sabido que devido á perda de minha Mãe, pus muita coisa em causa na minha vida e fui ‘obrigado‘ a abrandar o ritmo da minha carreira… Vi-me ‘obrigado’ a declinar bastantes convites, desde concertos dentro e fora do país, um regresso ao teatro e até uma entrada na última e altamente polémica edição do Big Brother verão. Tive de começar a priorizar-me e aos meus em detrimento da minha carreira… mas abrandar não é parar! E nunca o faria ao meu público, que tanto me estima e apoia, que sempre que trabalho está lá a encher as salas e sobretudo a encher-me o coração!
O convite da CM da Amadora foi irrecusável, a começar pela simpatia de todo o executivo e staff que sempre me tratou com o maior dos respeitos e porque adoro a sala do Recreios, onde me deram ‘carta branca’ e a confiança para eu fazer o espetáculo que quisesse… decidi então que não ia perder a oportunidade de mandar um ‘beijinho ao céu’ para a recém partida Fernanda Maria. Quanto ao alinhamento, Rui, foi o meu coração e as minhas memórias que o fizeram… é muito arriscado, são coisas que nunca cantei, mas darei o meu melhor para honrar a sua memória e não defraudar o meu público!”
Relação com Fernanda Maria e legado do Fado
Infocul.pt: Teve uma relação de grande proximidade com Fernanda Maria e corrija-me caso eu esteja enganado, mas não considera que a obra e percurso de Fernanda Maria tenham sido pouco destacados?
Gonçalo Salgueiro: “Tive essa sorte sim Rui, por via de minha tia Maria de Lourdes De Carvalho, empresária, jornalista, autora, poeta e filantropa sociocultural… que tinha Fernanda Maria como irmã! Era assim a relação delas, e por afinidade eu fui um dos seus ‘sobrinhos’, com o todo o respeito á sua família! Alias, foi somente com um grande elogio dela, após ver-me actuar no Musical Amália de Filipe Lá Féria, que a minha família finalmente concordou em deixar-me cantar profissionalmente, uma vez que a minha formação é em Relações Internacionais e queriam que eu seguisse uma carreira diplomática!
Fernanda Maria era uma pessoa especial, e, creio que poucos a conheciam verdadeiramente… aliás tenho essa certeza, os seres puros têm tendência a ser algo distantes para sua própria defesa… porém, por baixo de toda a sua beleza natural, porte altivo, voz maviosa e força interpretativa telúrica… era um ser lindo, sensível e frágil! Nasceu ‘Rainha’, nunca precisou de entrar em campeonatos da Fama, toda ela era Fado e quando lhe encontrou o ‘lar’ no seu mítico ‘Lisboa á Noite’, poucas foram as vezes que ‘o’ deixou sair de lá… porque era lá que Ela era Ela, na sua plenitude e felicidade!
O que não a impediu de ter grandiosos êxitos populares, gravar mais de 500 números originais e não só, em inúmeros álbuns nacionais e internacionais, de vencer inúmeros prémios e de ter um reportório que ainda hoje é cantado por muitos, alguns que por vezes não sabem quem foi a sua criadora… mas isso é culpa do que hoje em dia se passa com o Fado, que deixou de ser servido e respeitado, para servir de catapulta para pessoas que querem fama a todo o custo.
Sim Rui, Fernanda Maria merecia todas as honrarias… teve muitas em vida, mas não as teve na sua partida… mas será para sempre parte do Panteão Sagrado do Fado, porque vai continuar a haver muitas ‘novas isto e aquilo’… mas nunca se ouvirá falar numa ‘nova Fernanda Maria’! Era e será sempre única e inimitável!”
Instrumentistas e convidados do concerto
Infocul.pt: Falando ainda deste espetáculo, estará acompanhado em palco por quem, na componente instrumental?
Gonçalo Salgueiro: “Agora vou fazê-lo sem a sua presença física, mas sei que o seu espírito e amor estarão com todos nós em palco e na plateia! Terei comigo um quarteto fantástico de pessoas muito jovens e especiais para mim, o guitarrista Rafael Pacheco, vencedor do prémio Ageas, Casa da Música, os ribatejanos Diogo Ferreira, também na guitarra portuguesa e na viola de Fado, Ginestal Martins, belíssimos músicos e que também cantam, e bem! E por último o meu talentoso conterrâneo Manuel Vaz da Silva, na viola baixo!
Por fim terei dois convidados de honra, a titânica Lenita Gentil, mulher que adoro e que dispensa apresentações e louvores, que juntamente comigo é das poucas pessoas a querer homenagear a imortal Fernanda Maria nos seus projectos pessoais, com o seu novo álbum ‘Tributo a Fernanda Maria’. E ainda, aquele que foi a última pessoa a cantar para Fernanda Maria e comigo a ouviu cantar pela última vez, Adriano Luís Pina, que carinhosamente apelido de ‘jovem fadista antigo’, é já uma figura icónica da noite fadista lisboeta, mas espero em breve que o seja a nível nacional, pelo seu grande talento e belíssima voz, como poderão ver e ouvir no dia 10 de Outubro pelas 21:00 no Recreios da Amadora.”
Balanço da carreira e homenagens
Infocul.pt: Ao longo do seu percurso, o Gonçalo foi homenageando vários nomes maiores do Fado. Quais os motivos pelos quais o faz?
Gonçalo Salgueiro: “Porque fui educado para ser humilde e grato, e porque Deus me deu a oportunidade de poder agradecer a estas pessoas que contribuíram para eu hoje ser quem sou.”
Infocul.pt: Gonçalo, falando agora um pouco mais de si, está a celebrar 25 anos de carreira. Qual o balanço?
Gonçalo Salgueiro: “Tive muitos e grandes sucessos, graças a Deus e o público sempre reconheceu o meu trabalho! E continua a encher as salas onde me apresento, dentro e fora de portas, mesmo sem agentes, lobbies ideológicos ou partidos políticos a alavancar o meu trabalho! Não tenho grandes prémios, comendas ou honrarias egotistas, pelas razões supra mencionadas… mas tenho o carinho de quem compra os meus discos e os bilhetes para me ouvir cantar, estou nas orações e nos oratórios de quem nem me conhece pessoalmente, mas me quer bem! E isso para mim vale o mundo!
O ‘balanço’ ou mesmo o meu ‘talento’ confesso, prefiro deixar para quem pode, de forma informada, apreciar o meu percurso e todas as vertentes artísticas que pude abraçar! E espero ainda poder fazer outras coisas, desde que sejam desafiantes… assim Deus e o público que queiram! Por mim apenas posso dizer que sempre me esforcei por dar o meu melhor, sem ‘atropelar’ ninguém, ajudando muitos e sempre com respeito á arte e ao público… no entanto sinto, que por vezes, poderia ter-me divertido mais e disfrutado mais dos sucessos que tive… são escolhas e formas de estar… ou porque estava a trabalhar intensamente ou a resguardar-me para nunca falhar com as minhas responsabilidades… inclusive para quem hoje em dia já se esqueceu… mas não tenho maus sentimentos para com ninguém! O meu ‘balanço’ destes já 26 anos a trabalhar é, muito resumidamente, uma consciência limpa, um coração leve e um sentido de dever cumprido! O Futuro a Deus pertence…”
Lado político e integração na lista da AD
Infocul.pt: Aproveitando esta oportunidade de o entrevistar, tenho de o questionar sobre o seu recente lado político. Integra a lista da AD à câmara de Montemor-o-Novo, sua terra natal. Quando surgiu este convite? Quais são as expectativas e o que podemos esperar de si, caso seja eleito?
Gonçalo Salgueiro: “Bom! Não creio ter um ‘lado político’, apesar de ser formado em Relações Internacionais, no entanto tenho e sempre tive um ‘lado de serviço’, e esta foi a primeira vez que um responsável político da terra que me viu nascer me abordou para pôr a minha experiência de 26 anos de carreira artística nacional e internacional ao serviço da cultura em Montemor-o-Novo! Para poder vir a estar ao lado dos que na minha terra fazem Cultura ou daqueles apenas têm um sonho… como eu um dia também tive…
Ainda por cima o convite vem de um amigo que estimo e conheço, o António Pinto Xavier. Um homem jovem, competente, inteligente, cheio de força e vontade de mudança, com planos nos quais eu me revejo!! E pensei porque não… vamos a isso! Não sou filiado em nenhum partido, nem conto ser. Eu acredito em pessoas, porque os seres humanos apesar de falhos, são sempre mais criveis que as ideologias, que facilmente podem ser distorcidas, deturpadas e mal usadas…
Sou um homem livre e independente, ‘não devo a cabeça a ninguém’, portanto é uma honra pensar que posso vir a colaborar na evolução dessa terra linda que amo. Terra essa, de cuja vida e cultura ambos os meus pais sempre foram parte integrante, a minha Mãe enquanto professora e pintora , o meu Pai como uma das pessoas mais estimadas e respeitadas da terra, que abraçou do teatro ao futebol, dos ranchos folclóricos e grupos corais ao Fado, pegou toiros, foi dirigente desportivo e encabeçou e ainda colabora activamente com várias colectividades importantes, foi e é mentor de muitos jovens montemorenses. Minha Mãe sempre ajudou os mais necessitados… orientou e encaminhou muitos… sem nunca ser condescendente ou disso fazer bandeira ou alarde!
São estes os meus exemplos, de que tenho um orgulho que não me cabe no peito… então, porque não então segui-los! Contudo, dia 12 de Outubro, a escolha será dos montemorenses que, ou votam no ‘outra vez arroz’ ou numa verdadeira mudança! Contudo que fique bem assente que a sua vontade, seja ela qual for, será sempre por mim aceite e respeitada com civismo e educação. Se quiserem confiar no António Xavier e dar uma oportunidade á nossa lista, no que diz respeito a mim, vou para trabalhar! Graças a Deus, não preciso dos ‘tachos e tachinhos’! Mesmo porque nem sei cozinhar… e não bebo!”
O desafio de atuar na terra natal
Infocul.pt: Há um ditado que afirma “santos da casa não fazem milagres”. Que me recorde, o Gonçalo não teve grandes oportunidades de atuar na sua terra natal. Qual o motivo pelo qual isso sucedeu?
Gonçalo Salgueiro: “Sobre ditados e santos, há uma história sobejamente conhecida sobre S. João de Deus, que segundo consta, ao sair de Montemor-o-Novo, bateu as alpercatas para não levar nos pés nem a terra e o pó dali… É francamente uma imagem caricata na qual, infelizmente, ainda muita gente se revê!
E é exactamente essa uma das razões que me leva a tentar ajudar á mudança desse paradigma, ao concorrer, enquanto independente nas listas do António Pinto Xavier á Camara Municipal.
Mesmo porque é na Terra de Montemor que tenho o meu Amor Maior sepultado… Rui, para melhor me fazer entender começo pelo mais recente episódio. Depois da sua campanha me ter pedido o apoio publico, que efectivamente dei, nas últimas duas campanhas autárquicas, há dias tive o desprazer de ver o actual Sr Presidente da Camara Municipal, perante as camaras numa entrevista que está filmada, afirmar que não me reconhece qualquer ‘mais valia’ para elevar a minha terra, enquanto ria em tom jocoso. Levando até os restantes presentes a um evidente sorriso de desconforto e embaraço, não se dando conta que a desfeita proferida apenas atingiu o seu próprio carácter, e constituiu um ataque, não sobre mim ou o candidato que apoio, mas sobre toda a classe artística, que pelos vistos, segundo o senhor, não tem as mesmas capacidades para assumir os mesmos cargos que tem um contabilista…
Apesar de ter cantado há mais de uma década na famosa Feira da Luz, já em 2009 fui capa de jornal em Montemor, com a frase… ‘nunca cantei no “Curvo Semedo”, o cineteatro da minha terra, e como é bem sabido… continua tudo na mesma… A razão?!?!… deixa margem para todo o tipo de especulações… Provavelmente o facto de nunca ter estado ligado a partidos políticos ou a ‘lambe-botices’, o que levou aos famosos innuendos junto dos meus conterrâneos de que sou um snob que ali não quer actuar… o que não posso mais aceitar, pois é pura e vil mentira!
Pode também dever-se ao facto de não gostar de angariar trabalho em grandes jantaradas ou talvez apenas por não ser ‘amigo pessoal’ e ‘de casa’ do responsável municipal pela programação cultural da Camara de Montemor. No entanto uma certeza tenho, enquanto ali se mantiver o actual programador cultural, e não se retratar perante mim, eu provavelmente não cantarei tão breve em Montemor-o-Novo, por uma questão de honra e princípios meus.
Este, que ali está instalado há demasiados anos, com uma alegada rede de ‘grandes amizades’ bem enraizada nos seus serviços e favores. Este que até se dá ao luxo de deixar os seus superiores á sua espera 45 minutos em reuniões com convidados da Camara em Salão Nobre (os mesmos de quem, inclusivamente, nem sempre fala de forma abonatória em privado). Este que nem se privou de responder na cara de quem para o seu departamento envia comunicações importantes, que é o próprio que as recebe, e não responde… porque não!
Aparentemente, ali só trabalha ou é apoiado quem esse funcionário quer ou lhe convém!! Senhor este que inclusive conseguiu propositadamente sabotar a minha agenda profissional deste ano e uma possível apresentação minha em Montemor em 2025, para celebrar na minha terra, os meus 25 anos de carreira.
Ninguém deve ter este tipo de poder durante tanto tempo num cargo publico. Nem se pode prejudicar e desrespeitar múltiplas vezes um dos poucos filhos da terra (da qual ele nem sequer é nativo) que leva e honra o nome de Montemor-o-Novo pelo mundo, e ficar sempre impune. Algo aqui está muito errado! A meritocracia, o respeito e a imparcialidade, são no meu entender valores a renovar urgentemente na vereação da cultura em Montemor-o-Novo.
E lamento francamente pelos meus conterrâneos que muito perdem do que de melhor se vai fazendo no país, que percorrem todo o território e nunca passam por Montemor (que está a 45 minutos da capital) e sobretudo temo pelos mais jovens… pelos novos valores artísticos que ali vão emergindo e que a tais afrontas poderão vir a estar sujeitos…
Por ultimo, e com a liberdade de expressão que a Constituição da Républica Portuguesa me confere, no seu artigo 37º, afirmo que afinal, certas pessoas nem sequer já respeitam os Ideais de Abril, e os ‘cravos ao peito’ são mesmo só para enfeitar!!”
Valorização dos artistas locais
Infocul.pt: Perguntando-lhe diretamente, sente que Montemor-o-Novo tem valorizado mais outros artistas de fora do que os da terra?
Gonçalo Salgueiro: “Sim.”
Próximo disco e projetos futuros
Infocul.pt: Para terminar, depois da obra-prima que foi o disco de homenagem a Frei Hermano da Câmara, para quando um novo disco?
Gonçalo Salgueiro: “Primeiro que tudo, muito obrigado pelo elogio dado ao meu último álbum que, codivido com todos os que nele participaram e o tornaram realidade. O próximo projecto será um pouco diferente do expectável… não me alongo mais sobre o mesmo, na esperança de brevemente ter uma nova entrevista com Rui Lavrador no Infocul, a quem sou sempre grato.”




