O Amor venceu com Raquel Tavares no Barreiro, dia 15 de fevereiro de 2025, no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no âmbito do Festival “Montepio às Vezes o Amor 2025”.
Nesse sentido, assinalar que este Auditório Municipal fica num dos sítios mais simpáticos e receptivos ao lazer, o Parque da Cidade.
Assim, esta sala conta com 355 lugares que estavam todos preenchidos por fãs da fadista no concerto. Um concerto que teve lotação esgotada e um público eclético, que atravessa diversas gerações, de avós a netos. E que concerto arrebatador foi!
Raquel Tavares continua a navegar num mar de espetáculos com muita qualidade após o regresso musical, na sequência da pausa anunciada em 2020. O público esteve em lágrimas mas também em sorrisos pelo bom humor e humanidade da cantora sempre que interagia. Todos se sentiram mais inspirados a fazer mais e melhor neste dia de rescaldo após o São Valentim.
O começo viajante no tempo
O espetáculo começou com uma sombra de tempos de outrora, uma silhueta do passado do fado genuíno que fez o público largar suspiros a aguardar pelo que viria a seguir. Raquel Tavares revela-se com o subir do pano, e vemos que tem um traje à antiga portuguesa nostálgico enquanto chamava por uma Lisboa antiga que teima em não voltar. “Hei-de beijar-te Lisboa” lançou a melancolia face à nossa capital e riqueza cultural. Uma alma que chora pelo passado quando partir. Mas a fadista expressa, logo a seguir, uma alegria tão portuguesa quanto a saudade, numa viagem pelo espaço e tempo.
A cantora diz que “enquanto mulher, é das que ouve músicas tristes para ficar mais triste ainda”. E isto é marca sua e do seu fado. E por isso mesmo era “um orgulho estar no Barreiro. Uma terra fadista como o Barreiro. Gostava que esta noite se tornasse uma noite numa casa de fados. E vamos celebrar o amor”.
Pelas “Sombras da Madrugada”, afirma que “nem o cigarro” a conforta, mas o público não precisa pois a sua voz estremeceu o Barreiro e os aplausos fizeram-se sentir como poucos artistas conseguem. No tema seguinte, “Limão”, a sintonia com o público era plena. Numa demonstração da sua boa disposição e amor à arte, quando Raquel Tavares canta “Ele não me quer mais”, logo alguém do público exclama que “ele é palerma!” e Raquel responde “obrigado minha senhora”.
Uma história de vida com esperança
Num momento intimista, a cantora sai da sua seleção musical e canta fados mais tradicionais, que desde nova queria cantar mas as lendas do fado não permitiam por serem fados pesados ou por serem masculinos, e a sua tenra idade pedia na altura outro tipo de temas. E segue com um fado burladero que era tocado em tascas e tabernas nos anos 60 e 70, seguido por uma homenagem sentida a Carlos do Carmo. “Por morrer uma andorinha não se acaba a Primavera” foi a grande mensagem de esperança nesta noite fria mas que logo se pôs quente. Foi um momento climático.
“Fado não é isto nem aquilo. Fado é o que não toca. Cresci num universo de fado tradicional. Fiz-me fadista e mulher. E gosto de me lembrar da senhora Fernanda Maria e outros que falarei a seguir”. Um dos outros era mesmo a figura do Barreiro e seu padrinho: o fadista e compositor Jorge Fernando. O público ficou em êxtase porque desde o início chamavam por esse nome. Raquel Tavares não desiludiu e cantou um tema do grande intérprete e compositor do Barreiro.
“Estou tão feliz por cantar fado”, o resumo de Raquel Tavares após outra emocionante homenagem.

Catarse através de notas musicais
Em “Meu Amor de Longe”, Tavares entoa com força o verso “Chega de tragédias e desgraças” e o momento foi de limpeza de alma do público, de renovação e de seguir em frente. Um momento de redenção das emoções que devem de ser limpas para se poderem encontrar novas.
Aliás, os momentos com o público foram vários, ou não fosse a fadista portadora de uma peculiar irreverência. No tema “Fui ao Baile”, a cantora pediu a dois membros masculinos do público para interagirem como ex-namorado e namorado atual da personagem principal da estória da canção. Perguntou os nomes e se foram ao espetáculo sozinhos. Logo uma voz se ouviu, a dizer o seu primeiro e último nome e que também estava lá “sozinho” e queria fazer parte daquele universo romântico com a cantora. Ao que Raquel Tavares respondeu com animação e rapidez: “venha cá amanhã pode ser que tenha sorte”. E no final do tema concluiu que é “sempre bom fazer ciúmes a quem realmente queremos”.
O final que não deixou ninguém indiferente
Perto do final, a fadista teve direito a duas ovações em pé entusiastas, como é raro acontecer num espetáculo tão introspectivo como um concerto de fado. E recria, como final, um ambiente de casa de fados sem efeitos especiais, microfones ou outros dispositivos teatrais. Só ela e os seus músicos. Como antigamente. E que bom é reviver o antigamente.
No final, o Amor ganhou no dia após o Dia dos Namorados. O Amor ganha sempre e ilumina as trevas para vermos onde colocar o próximo passo. E este concerto encapsulou este sentimento,tal como um remédio para o nosso interior. O Amor vence a escuridão tal como o Bem também o faz. Seja a cantar por e para alguém que amamos agora, ou no passado. Ou a um amigo, ídolo ou local. E este concerto venceu, com o público rendido.
Alinhamento de Raquel Tavares no Auditório Municipal Augusto Cabrita
Hei-de Beijar-te Lisboa
Mouraria
Eu Já Não Sei
Sombras da Madrugada
Limão
Meu Corpo
Marcha do Marceneiro
Cravo de São João
Mulher Deixada
Fado Vianinha (Por Morrer uma Andorinha)
História De Uma Chinela
Fui ao Baile
Meu Amor De Longe
Rapaz da Camisola Verde
Fado Cravo
Texto de André Nunes e Fotografias de Sandro Alemão