Pedrito de Portugal regressa às arenas e rouba atenções nas Caldas da Rainha, em tarde de sol abrasador no Oeste.
Texto: Rui Lavrador / Fotografias: André Nunes
Rafael Bordallo Pinheiro, Zé Povinho e Caldas da Rainha
Rafael Bordallo Pinheiro foi (e é) nome maior da cultura portuguesa e executou várias funções ao longo da sua vida.
Lisboeta de nascença, foi nesta mesma cidade que morreu. Porém, forte, muito forte, foi a sua ligação às Caldas da Rainha, principalmente no que à cerâmica diz respeito.
Nesse sentido, por entre várias obras criadas – e algumas aclamadas por muitos, embora dessas não se deva falar pelo aspecto fálico – há uma intitulada de Zé Povinho.
E o que representa o Zé Povinho? O Zé Povinho representa o povo português, simbolizando suas virtudes e defeitos, as suas alegrias e tristezas, as suas lutas e resignações. É uma figura satírica criada por Rafael Bordallo Pinheiro que, através da caricatura, expressa o descontentamento popular com o poder e a realidade social.
Contudo, na tauromaquia, actualmente, o Zé Povinho tudo aceita, tudo consome e ainda aplaude. Uma espécie de revista ‘Pobretes mas Alegretes’ que há uns anos foi levada a cena n’ Os Combatentes, em Lisboa, com encenação de Paulo Vasco.
O Cartel
No dia de feriado nacional, 15 de Agosto, a Praça de Touros das Caldas da Rainha, acolheu a já tradicional corrida de touros desta data e este ano contou com os cavaleiros João Ribeiro Telles, Francisco Palha, Vasco Veiga (que prestou provas para cavaleiro praticante) e o matador Pedrito de Portugal, frente a touros de Manuel Veiga (mais um novilho, para Vasco Veiga). As pegas ficaram a cargo dos forcados amadores de Santarém e Caldas da Rainha.
Perante um calor abrasador, típico desta altura do ano, a praça esgotou a sua lotação, em parte pelo regresso às arenas portuguesas do matador nacional, Pedrito de Portugal. O resto do cartel está visto, revisto e algumas vezes até a suplicar por descanso à vista dos aficionados.
Touros de Manuel Veiga com pouca força
Quanto à corrida em si, começamos pelo curro de touros da ganadaria de Manuel Veiga. Maioritariamente com pouca força, apresentação aceitável no tipo da ganadaria, mas pouca emoção na arena, levando a que a tarde pouco tivesse para aproveitar.
Regresso muito aguardado
Pedrito de Portugal! Tem uma aura em redor do seu percurso indiscutível. É Artista! Sabe conquistar público, e mesmo sem tourear muitas corridas, mantém um público que lhe é fiel há muitos, muitos anos. E era, vindo-se mesmo a cumprir, a expectativa maior nesta corrida de touros. No primeiro touro, que pouco tinha para dar, Pedrito quase nada fez, nem em capote, nem na muleta.
Diante do segundo, tudo mudou e vimos muito mais de Pedrito de Portugal. A estética, a elegância, um toureio de detalhes, aqui e ali requintado – principal no início de faena com a muleta, em que firme, sem se mexer, levou o touro a investir por várias vezes, em movimentos em que a firmeza bela de Pedrito, contrastava com a aspereza do touro. Porém, não se ficou por aí, e também brilhou por naturais. Sem ser uma lide triunfal, foi uma actuação de pormenores e deixou água na boca de ver mais vezes Pedrito. Porque não é mais um, não é mais do mesmo, e marca a diferença!
Ainda sobre Pedrito, aplaudir a sua rebeldia de mandar a tradição às urtigas e ter feito as cortesias à espanhola, recusando-se a ficar especado no meio da arena, enquanto os cavaleiros andam às voltinhas a agradecer de setor em setor. Altere-se isto no regulamento tauromáquico, porque os matadores passam por figuras menores nestas cortesias que são pouco cortezas para com o toureio a pé. Há uma lei? Há. Existe regulamento? Sim. Mas em ambos falta bom senso. Teve-o Pedrito de Portugal!
Assim, numa corrida sem grandes destaques, foi Pedrito de Portugal a marcar a diferença e tomara que faça uma temporada de 10 a 15 corridas em Portugal.
João Ribeiro Telles: Duas lides positivas
João Ribeiro teve uma primeira lide de bom tom, não rompendo em triunfo. Nesta temporada, Telles tem conseguido uma coerência interpretativa do seu toureio que acaba por lhe dar vários trunfos, o maior de todos é mesmo quando não triunfa, também não desilude. E o motivo é simples, está com uma belíssima quadra de cavalos e a isso junta uma maturidade e noção de lide que lhe permite nunca baixar o nível. Três bons curtos na primeira lide, frente a um touro sem transmissão, foi o destaque. O segundo touro do seu lote lesionou-se e foi mandado recolher, quando já tinha um ferro comprido cravado. O regulamento de espectáculos tauromáquicos é claro e afirma que neste caso o touro está lidado.
Porém, a empresa permitiu a lide do sobrero ao cavaleiro, de forma a não prejudicar o público. Assim, diante do sobrero, Telles voltou a não estar mal e apesar de uma passagem em falso, levou a lide a bom porto, porém novamente sem redundar em triunfo. Terminou a lide com o famoso cavalo Ilusionista e um ferro tremendista, que foi mais impactante que ortodoxo. Mas o público aplaudiu.
Francisco Palha: Dois ferros meritórios
Quanto ao cavaleiro Francisco Palha, nesta corrida e especificamente nesta corrida, as suas duas actuações serão muito resumidas textualmente. Esforçou-se em ambas, melhor o primeiro do seu lote, enquanto o segundo teve forte querença em tábuas e obrigou o cavaleiro a labor adicional para cumprir a função. Palha teve dois ferros muito meritórios nesta sua passagem pelas Caldas da Rainha. Tudo o resto foi um esforço quase como se um guerreiro fosse, porém, sem saber qual a batalha em que estava. Confuso? É assim actualmente o toureio de Francisco Palha, ou pelo menos repetitivo e sem argumentos de maior que o façam brilhar como as suas capacidades o permitiam.
A tauromaquia precisa de um Francisco Palha que seja artista, que faça o público soltar a emoção nas bancadas, que crie impacto . Tem capacidade para ser um tsunami emocional artisticamente, porém actualmente é um sismo de baixa intensidade na escala de Richter. Não é uma crítica. É um pedido para que Francisco Palha volte a ser extraordinário, o que em tempos não muito longínquos já foi o seu normal!
Vasco Veiga esteve desembaraçado perante o novilho lidado. Começou bem a sua actuação, mas depois foi inconstante. Ainda assim, cumpriu, embora sem deslumbrar.
Forcados e direção
Nos forcados de Santarém, Francisco Cabaço, Caetano Gellego e Joaquim Grave concretizaram as suas pegas à primeira tentativa, com boas execuções. Pelos amadores das Caldas da Rainha, Martim Graciosa necessitou de cinco tentativas, enquanto Salvador Serrenho conseguiu à primeira.
A corrida foi dirigida por Ana Pimenta, assessorada por José Luís Cruz, com José Henriques no cornetim, aplaudido em todos os toques (um exagero da era moderna, de um público Zé Povinho que falei no início)
Cinha Jardim e Lili Caneças nas bancadas
As duas conhecidas socialites marcaram presença nas Caldas da Rainha, para apoiarem Pedrito de Portugal.




