Pouca ou nenhuma sorte! Artigo de opinião redigido por Raul Tartarotti, que opta por escrever em português do Brasil.
Não se pode querer ser Deus. Ninguém é melhor que o outro na terra, ou somente bom, ou somente mal. Aceitar nossas humanidades é, ainda, o melhor caminho para fazer melhor uso delas.
Inventar uma moral que nos obrigue sermos falsamente divinos é mais demoníaco que revelar nosso lado mais humano. Exceto pelo universo, que tem suas próprias regras, os humanos deveriam se contentar em fazer parte do mundo e não querer dominar tudo com mão de ferro, como o fez o personagem de Timothy Spall, no filme “Pequenas Cartas Obscenas”.
Gemma Timothy é a senhora Swan, a mais horrorizada, mais ferida e escandalizada pelo conteúdo das pequenas Cartas, que como uma das pragas do antigo Egito se espalha pela cidade, cada vez mais.
A prisão da principal suspeita, Rose Gooding, não poderia ser outra senão uma mulher sem a proteção do santificado manto do matrimônio, mais uma consequência do entrincheiramento do gênero feminino desde à primeira fase da vida.
Com recado muito simples à inglesa, e tão seco quanto o próprio mal merece, se esvai direto às raízes do problema central deste mundo de máscaras, com podres poderes e hierarquias.
Destruidora da hipocrisia que ronda, não apenas, mas sobretudo a sociedade inglesa pela marca que mantém e encobrem os mantos da família real, “Pequenas Cartas Obscenas” nos faz o grande favor de expor o grau de repercussão dessa espessa camada de fumaça.
Da falsa forma de perfeição que continua rondando a ideia de família e impõe diferentes papéis aos gêneros.
Ou seja, o famoso outro em si-mesmo de que fala Maurice Blanchot, escritor, ensaísta, e crítico francês, conta que os povos que sempre se sentiram superiores não se cansam de enxergar como em uma condição desfavorecida pela origem.
Afinal, se é que um dia se pode falar na existência de sangue real, que não veio do continente africano ou da Ásia.
Parece que são para os nascidos na Inglaterra que continua a impressionar pela rigidez de valores que Thea Sharrock, diretora do filme, faz questão de desconstruir. Assim como o fato dessa narrativa ter todo fundo de verdade, sendo baseada em fatos reais, e na lógica mais simples da Natureza, a vida entre duas vizinhas muito próximas.
Porém, uma acaba depondo contra a outra e a mal-falada vai presa devido às camadas da falta de modos e pouca ou nenhuma sorte de adestramento dos impulsos e paixões.