Afonso Dubraz: A Alma das Palavras e a Música como Mensagem

Afonso Dubraz: A Alma das Palavras e a Música como Mensagem, de um jovem que merece a pena ser ouvido.

Começar por referir que Afonso Dubraz distingue-se pelo seu talento na escrita, construindo canções profundas e emotivas.

Simultaneamente, a sua sensibilidade interpretativa dá vida às palavras, tornando-as experiências autênticas.

Além disso, as suas canções carregam uma forte dimensão espiritual, convidando à introspeção e à conexão com cotidiano.

A sua arte não é apenas para ser ouvida, mas sentida e vivida.

Assim, em 2024, lançou ‘Barulho de Fundo’, o seu primeiro trabalho discográfico. Agora, para 2025 virão novas canções e várias novidades sobre um dos mais promissores talentos da sua geração.

Numa grande entrevista ao Infocul.pt, Afonso Dubraz falou sobre o primeiro disco, a advocacia (área em que se formou) e de como a música passou a ser a sua vida. É um percurso absolutamente fascinante de um jovem apaixonado (assim dizem os amigos, segundo ele) e também apaixonante.

Afonso Dubraz: “A música começou ali pelos 15, 16 anos”

Afonso, vamos começar pelo início de tudo. Quando é que a música surge na tua vida? Até antes da advocacia ou só depois?

Surge antes da advocacia, mas eu adorava, este é sempre aquele momento da conversa que eu adorava dizer que a música está comigo desde o início e desde que aprendi a andar, mas não, a música surge um pouco tarde e acho que veio muito associada a este gosto pela escrita. Acho que acabou por ser, de certa forma, uma extensão deste gosto que eu tinha de escrever histórias e depois quis musicá-las, quis cantar também, não sei se fiz bem ou não, mas lá está, acabei por gostar de como é que as coisas se foram montando e acabou por crescer por aí este projeto musical. Mas eu diria que a música começou ali pelos 15, 16 anos, assim nessa altura.

A rapariga que o trocou… por uma guitarra

E isso teve a ver com o amor?

Sim, isto é uma história que eu costumo contar muito e que gosto porque também dá-me alguma humildade [risos], a rejeição acho que dá humildade a toda a gente. Isto foi num verão, no Algarve, que eu costumo passar lá férias com a família e pronto, há sempre aqueles grupos de amigos que se criam nessa altura do ano e muitas vezes juntam-se ao grupo pessoas que nós não conhecemos e juntou-se uma rapariga a esse grupo por quem eu fiquei completamente apaixonado.

Lembro-me que é um daqueles amores de verão, não é daqueles mesmo para casar, depois já não te lembras de cada pessoa passado uns tempos, mas na altura foi muito forte e eu fiquei desolado por me aperceber que ela não queria rigorosamente nada comigo porque havia um outro indivíduo com uma guitarra, sempre ali em punho e que tocava e eu percebo a atração que havia à volta ali de todo aquele número que era ali feito.

E pronto, eu fiquei muito triste porque ela não quis saber de mim, mas prometi a mim mesmo que ia voltar para Lisboa ia pegar numa guitarra, porque a minha irmã tinha aprendido a tocar guitarra uns anos antes e havia uma guitarra cheia de pó no sótão, nem sei se tinha as cordas todas na altura na verdade, e eu lembro-me de pegar na guitarra e pensar, ok, vamos aprender que eu para o ano vou lá voltar e vou roubar a…

Portanto, na verdade, tu não foste trocado por um outro rapaz, fostes trocado por uma guitarra certo?

Certo, mas depois eu pensei, se não dá para os vencer, vamo-nos juntar a eles, não é? Então eu fui buscar a minha guitarra.

“A música esteve sempre muito presente”

Pelo meio, vais para a advocacia…

Pelo meio, vou para a advocacia, sim foi ali o curso natural das coisas, eu fiz humanidades, muito por causa das letras eu na altura queria ser escritor, quando fui para a humanidades porque odiava a matemática e queria fugir de tudo que tinha a matemática, fui para humanidades.

Achei que depois, acabando o secundário, o percurso natural seria seguir para a advocacia e é um curso que até gostei, gostei muito da advocacia, ainda exerci, ainda fui advogado durante uns anos mas ao longo de todo esse processo, quer da formação académica, quer da parte já de trabalho a música esteve sempre muito presente, coisas que escrevia para mim, outras coisas que ia escrevendo a pensar um dia em poder escrever para outros artistas por isso eu acho que foi uma coisa que foi crescente também.

Afonso Dubraz: “consegui romantizar o direito, o que poderia parecer impossível”

Acompanhando algumas das várias letras que tu já escreveste para ti e para outros artistas, e se eu estiver errado podes corrigir, obviamente, tu és um ser profundamente emocional. Assim como é que um ser profundamente emocional vai para uma área que é maioritariamente racional e factual que é a advocacia?

Certíssimo, olha, é uma grande questão, os meus amigos gostam muito de mim porque dizem que eu sou a pessoa mais apaixonada do mundo, que uma vez por semana eu apaixono-me por alguém e escrevo álbuns sobre alguém é o que eles dizem.

Eu não vou corroborar, mas sim, eu sempre tive muito esse lado emotivo e emocional da vida. Eu sempre gostei de levar muito as coisas dessa forma, eu sempre sonhei imenso, sempre me apaixonei seja por pessoas, seja por coisas, por projetos, por algumas iniciativas.

E o direito, eu acho que num primeiro momento surgiu muito com a ideia de ‘tirei humanidade e vou para direito’, é o mais seguro, é o mais prático, vamos avançar por aí mas depois, por outro lado, eu tinha também muito a ideia romântica.

Eu consegui romantizar o direito, o que poderia parecer impossível, mas consegui romantizar na ideia de pegar na coisa mais secante de sempre que era a minha área, que era direito imobiliário, eu passava a minha vida a fazer contratos de arrendamento, também tinha na parte das sociedades, de adquirir sociedade, só que eu consegui ver nisto e na minha rotina e no meu dia-a-dia uma coisa muito romantizada, que é o quê?

Imagina, eu estar a fazer um contrato de compra e venda de uma casa de uma família que vai morar lá e que vai começar o seu projeto de vida lá, vão ter filhos, vão crescer e vão viver ali.

Ou numa empresa, eu estar a criar o negócio de alguém que é o seu sonho, o seu bebé, que vai começar a tentar seguir o seu projeto em frente. Eu achei que se calhar fui me enganando a mim mesmo de forma a que também consegui suportar mais toda a rotina que é muito cansativa e muito puxada a nível de horas, mas tentei sempre ver dessa forma mais romântica de que estou a ser um instrumento que está a ajudar projetos e sonhos de outras pessoas

“Essa parte do direito sempre foi também para mim uma espécie de rede”

Portanto, durante algum tempo, foste uma espécie de cupido legal…

Certamente, exato [risos]. Foi certamente. Fiz muita coisa que também não gostei enquanto cupido mas acho que também é bom, acho que nós devemos fazer as coisas que gostamos e as que não gostamos para perceber que efetivamente não gostamos delas e a verdade é que eu saí da advocacia, mas ainda agora vou fazendo algumas coisas porque como lá está, especializei-me mais na área do imobiliário, tudo o que é amigos a querer comprar casas e a arrendar casas eu vou dando assim uma ajuda e eu gosto.

Eu gosto da área porque para todos os efeitos é um constante exercício literário porque eu naquela área tenho de conseguir impor a minha posição relativamente a outra pessoa, a outra parte, a outro conjunto de pessoas e é muitas vezes através da escrita porque é através de peças para frente e para trás, de contratos para a frente e para trás, e eu acho giro também esse desafio de tentar através da escrita passar uma mensagem que no fim é a mensagem que vença.

É também uma forma de equilibrar? Porque isto de ser profundamente emocional acaba por criar algum desequilíbrio, é quase uma espécie de montanha russa, ora estamos eufóricos ora estamos, não vou dizer deprimidos, mas um bocadinho mais down. E essa área acaba por ser ali quase uma espécie de ponto de equilíbrio…

Eu acho que sim, até porque eu acabo por ficar especialmente quando estava no escritório de advogados, onde eu trabalhava, eu passava lá a maior parte da minha vida, porque eram horários muito exigentes e por isso enquanto estou a trabalhar e estou ali focado acabo por também não estar se calhar a pensar noutras coisas coisas que muitas vezes me atormentam enquanto criativo ou enquanto sonhador. É ótimo sonhar, mas muitas vezes dói sentir que os sonhos não estão ou a acompanhar a velocidade que tu queres ou a concretizar-se.

E eu acho que essa parte do direito sempre foi também para mim uma espécie de rede e que me ajudava, porque acho que é bom termos uma rotina, é bom termos algo que conhecemos, uma realidade que conhecemos e que para mim também de certa forma sempre foi algo muito natural, não só como profissão para ganharmos o nosso dinheiro, mas também como vocação, eu sempre achei que tinha um jeito ali para a coisa.

“Ao longo destes anos eu fui sempre com muita calma fazendo as coisas”

E quando é que tu tiveste a ideia de fazer este disco?

Este disco eu acho que nunca tive bem a ideia de ‘vou fazer um disco’. Eu tive a ideia de vou fazer canções e quando sentir que tenho um projeto para apresentar, avançamos por aí. Este primeiro álbum, o Barulho de Fundo, foi escrito ao longo de cerca de 6 anos.

Começou ali por 2018, na altura em que eu ainda ia para a faculdade nos autocarros e que havia trânsito de manhã e eu aí nessas pausas acabava por escrever e aí mais uma coisa até para esse equilíbrio que é o facto de eu estar tão embrenhado ali no direito e naquela rotina, quando eu tinha momentos de folga, acabava por ter uma inspiração se calhar que agora já não tenho assim tanto.

Uma inspiração quase por necessidade e vontade de me libertar, que agora como já estou muito mais com a vida que quero e que gosto já não tenho tanto esse choque de realidades por isso surgiu ali por 2018 as primeiras músicas.

O ‘Marido e Mulher’ que foi o primeiro tema a surgir e pronto, ao longo destes anos eu fui sempre com muita calma fazendo as coisas também quando o tempo me permitiu e pronto, acabou por em 2024 sair este ‘Barulho de Fundo’.

Afonso Dubraz: “estamos a viver num mundo e numa rotina e num dia-a-dia que é depressiva”

Que ‘Mundo Novo’ [nome de uma das canções do disco] é que tu desejas?

Que mundo novo é que eu desejo? É que essa pergunta, se me tivesse perguntado isso se calhar ali enquanto comecei a escrever o álbum, 2018, seria uma resposta muito mais interesseira da minha parte do que agora. Porque, agora, eu acho que quando pensamos que mundo é que nós desejamos, e vendo como as coisas estão, para mim, olha é outra coisa que se calhar também é bom às vezes não ser tão tão emocional com as coisas porque a mim faz-me mal, faz-me mal ligar a televisão e ver a quantidade de desastres em todas as áreas possíveis e imaginárias. Nós estamos a fazer tudo mal.

Olha é uma das coisas que me levou a fazer este álbum… Eu acho mesmo que nós estamos a viver num mundo e numa rotina e num dia-a-dia que é depressiva, de base. Eu acho que é normal as pessoas andarem depressivas porque – vendo o teu exemplo – se calhar, não sei se trabalhas mais em casa, se trabalhas mais no escritório, mas até nas pessoas em geral, a ideia de acordar de manhã tende a ir para o trabalho muitas vezes é um trabalho que não gostam ou quando gostam, até no teu caso, de ver notícias é para ver as notícias que são.

Depois, no caminho ligas a rádio, a cultura também sofre com isso, é só baladas, músicas assim, muitas vezes, não é depressivas, mas mais mais tristes, mais músicas que ficam mais aquém da coisa de felicidade e de alcançar objetivos e concretizações. E eu acabei por também me sentir preso nessa realidade de ‘fogo, então mas onde é que está o momento de ir dançar, de ir celebrar, de estar com os amigos, de ir ver um pôr do sol à praia, de apaixonar por alguém seja o que for?’. Este tipo de coisas são normais que eu acho que na verdade é o que todos queremos.

Então para responder o que é para mim um mundo novo, eu acho que seria voltarmos, não digo voltarmos atrás a nível de inovação e do crescimento que estamos a ter, que é sempre maior do que estávamos antes. Mas, a nível de mentalidade, acho que é voltarmos atrás nas prioridades da vida. Humanidade? Sim, voltarmos atrás nisso, em tudo isso, e pensarmos o que é que nós estamos aqui a fazer, o que é que nós queremos aqui fazer.

Eu acho que ninguém quer pegar numa arma ir para outra ponta da Europa, onde quer que seja, andar aos tiros e a destruir famílias, outras pessoas ou a sua própria. Acho que o que nós queremos é estes pequenos exemplos, é estar aqui a falar contigo, é estar numa praia com amigos, a beber um copo e a ver o pôr do sol, é estar a ser trocado pelo rapaz da guitarra, eu acho que são estas coisas que acho que fazem com que a vida valha a pena e nada do que se está a viver agora…

“Não há mal nenhum de seguir os sonhos, de seguir algo que nós queremos fazer”

Olha, tu tens uma das canções com um dos títulos mais geniais que eu vi nos últimos tempos. Nós estamos numa fase em que fugimos do erro e tentamos sempre mostrar o lado bom e perfeito das vidas que muitas vezes não existem. Assim, qual é que é o ‘lado certo para errar’ [nome de outra das canções do disco]?

Qual é que é o lado certo para errar? Essa música eu quando a escrevi, eu queria mesmo explicar um bocadinho dessa realidade que acho que vivemos todos.

E este primeiro álbum é muito ainda relativamente a esta fase da minha vida de largar o direito e de ir para a música.

Acho que a vida hoje em dia afunila-se muito, nem vou entrar tanto porque também é um ponto muito válido de ir pelas redes sociais e de nós todos mostrarmos que somos uma determinada coisa quando se calhar…

Eu acho que hoje em dia o medo de não nos sentirmos integrados ou de não sermos considerados integrados pelas pessoas a quem estamos a tentar ter essa aprovação, acho que tornou-se quase uma ditadura pessoal das pessoas e as redes sociais vieram também aumentar muito isso.

Mas, o meu ponto de vista para esta música foi muito mais relativamente a essa fase da formação e da escolarização.

Foi pensar que eu acho que nós hoje em dia vivemos num mundo onde estamos desde o momento em que nascemos a afunilar, sempre a afunilar.

Nós quando nascemos, nascemos com os superpoderes mais inacreditáveis de sempre que é os sonhos, a criatividade não conseguimos usar porque ainda não temos as capacidades qualitativas para tal. Mas é o momento em que estamos com todos esses superpoderes mais ativos e a partir do momento em que se entra na escola somos um conjunto de 20, 25 alunos sentados todos na sala, a aprender da mesma forma, a fazer as coisas da mesma maneira.

Depois, vamos para um secundário em que só temos quatro áreas para escolher, temos de escolher uma dessas quatro. Depois temos de ir para o mercado de trabalho e temos de escolher as profissões por causa daquela área.

E vai afunilando, afunilando afunilando e o que é que acontece?

Chegamos a um ponto em que estamos numa segunda-feira de manhã a ir para Lisboa, num ambiente completamente depressivo porque as pessoas acabaram se calhar, sem saber bem como, a fazer algo da vida que não gostam.

Para mim, é uma das coisas que mais me assusta que é ou me acontecer a mim ou acontecer a pessoas que gosto.

Ou seja, estarem a viver uma vida que não é aquela que querem e por isso o ‘Lado certo para errar’ surgiu de forma um pouco irónica para tentar desconstruir essa situação.

Neste caso, numa mulher, para ser também um tema romântico, mas é o facto de aparecer alguém que nos vem explicar que não há mal nenhum de ir para o outro lado, não há mal nenhum de seguir os sonhos, de seguir algo que nós queremos fazer por muito que não seja aquilo que nos estão a obrigar a fazer ou quase uma pressão social para o fazer.

E eu acho que, pronto, foi um tema que acabou por desconstruir esta ideia na minha cabeça que eu acho que é importante ser falada.

O meu álbum fala sempre muito disso, dos sonhos e do conquistar coisas novas.

Afonso Dubraz: “os meus amigos vão gozar muito comigo, porque dizem sempre que eu é para casar”

Fala-me um bocadinho da canção ‘Não respondo por mim’.

Deixa-me pensar [risos]. É que há algumas músicas que já foram escritas há muitos anos, eu tenho que tentar entrar na cabeça para tentar…

Lembro-me que queria ter um tema cómico, eu queria tentar, porque à medida que vou fazendo músicas há uns certos conjuntos de exercícios que eu gosto de fazer e de pôr em prática.

Então, por exemplo, vamos tentar fazer isto desta forma, vou tentar ser este tipo de autor e nesse caso eu queria contar uma história romântica mas que abordasse muito a parte da comédia e pronto, fui jogando sempre muito com aquela ideia de me entregar por completo.

Se ela quiser, eu não respondo por mim, eu dou a minha vida e vou com tudo e pronto [risos].

Agora estou-me a rir porque os meus amigos vão gozar muito comigo, porque dizem sempre que eu é para casar e pronto.

Depois, desconstruindo essa narrativa romântica um pouco com com alguma comédia muito associada ao dia-a-dia, à ideia do James Bond.

Eu não sei bem como te dizer isto, mas é do género ‘eu por ti [uma paixão, uma mulher] viro um grande escritor, não sou grande espingarda, mas por ti viro James Bond’.

Eu gosto muito desta deste tipo de referências, o que também vai muito buscar uma referência minha que é o Miguel Araújo, que tem sempre também muito este tipo de jogo de palavras com o cotidiano e que para mim é uma grande referência também.

Afonso Dubraz: “ficava meio em pânico, será que eu não consigo responder a isso?”

É possível a quem ouve o teu disco identificar alguma sonoridade de Miguel Araújo?

Eu acho que sim. Tenho andado a tentar responder a essa pergunta. Muitas vezes perguntam-me, quando não conhecem o meu projeto, ‘ah, mas que estilo de música é que é?’.

Eu, a inicio, ficava meio em pânico, será que eu não consigo responder a isso? Será que eu não conheço o meu projeto o suficiente para responder a isso? Mas, depois fico feliz.

Fico feliz por não conseguir responder, porque se eu tivesse um nome logo para dar ‘olha, é tipo isto’ eu acho que não iria haver identidade suficiente no projeto, porque isso já existe, já há alguém a fazê-lo e eu acho que neste mundo, especialmente nesta fase em que há muitos artistas novos a aparecer é importante aparecer com uma identidade específica.

Ninguém vai querer ouvir o Afonso Dubraz se já existe o Miguel Araújo, ou ninguém vai querer ouvir o Afonso Dubraz se já existe Os Quatro e Meia.

Eu tenho a noção de estar a seguir um bocado esse caminho, desse pop, eu gosto de lhe chamar pop com conteúdo, assim mais mais tuga, uma portugalidade na escrita que eu acho que para fugir um bocadinho se calhar à pressão do americano, do simples, do rimar, do despachar. Não é tanto contar uma história, ir rimando ideias até chegar ao refrão.

Eu tento fugir um bocado disso e por isso fico muito feliz quando me dizem que este álbum possa ter referências de Miguel Araújo, efetivamente não só tem referências como tem a mão de Miguel Araújo porque ele é o produtor de um dos temas do álbum.

Mas sim, eu acho que há referências de Miguel Araújo há referências d’ Os Quatro e Meia e depois há as minhas referências internacionais que são os meus “3 Jotas”.

Eram 3 com quem eu casava assumidamente, casava. São o Jack Johnson, John Mayer e Jason Mraz, para mim são os 3 maiores de sempre.

Afonso Dubraz: “assim que tive o meu nome numa frase associada ao nome da Mariza entrei em pânico”

Saindo um pouco do disco e falando de uma canção que escreveste, intitulada ‘Casa’, que é interpretada pela Mariza. Como surgiu esta parceria?

Esta parceria começou a ganhar forma em 2000. Aliás, até antes de 2020, mas ali entre 2018 e 2020, porque um dos primeiros temas que eu fiz foi o ,Amanhã, uma balada, e quando chegou a altura de eu ir gravar para o estúdio, eu gravei ali nos estúdios Namouche, com a produção do Tiago Machado, de quem eu gosto muito.

Contactámos alguns músicos para virem tocar e o guitarrista que veio tocar foi o Maninho.

O Maninho para além do grande artista que entretanto se tornou e que também tenho o prazer enorme de fazer parte do projeto, é o guitarrista da Mariza e ele depois de gravar a música gostou muito do tema emostrou a música à Mariza. Começou-se a falar da possibilidade de fazer uma coisa desse género, do ‘Amanhã’, para a Mariza.

Eu assim que tive o meu nome numa frase associada ao nome da Mariza entrei em pânico. Não posso levar nada com calma, entrei em pânico.

Já não conseguia pensar em mais nada. Estava ainda por cima, numa altura com muito trabalho no escritório, mas lembro-me de fazer o ‘Casa’ em 3 dias.

Eu estava com tanto medo de não conseguir aproveitar esta oportunidade de escrever para um dos melhores nomes da música portuguesa e que queria imenso agradar.

Lembro-me que fiz a música em 3 dias e lembro-me também de uma história muito engraçada relativamente a essa música.

Faltava-me ali um ‘hook’, uma frase forte para agarrar as pessoas e ao mesmo tempo para, de certa forma, concretizar a narrativa que eu estava a querer contar.

Estava de mota a caminho do meu escritório que era no Marquês de Pombal e estava ali a fazer A5 e a pensar qual é a frase que eu meto, qual é a frase que eu meto.

Era a única altura do dia que eu ia ter para pensar na música, porque de resto estava ali fechado no escritório e do nada vem-me à cabeça o ‘Sou quem Sou, Por Seres Quem És’.

E eu só me lembro de ir o resto da viagem a dizer ‘Sou quem Sou, Por Seres Quem És’. Não podia parar e não podia esquecer que eu sou péssimo e esqueço-me de imensas coisas.

Não podia esquecer ‘Sou quem Sou, Por Seres Quem És’. Só me lembro de chegar ao estacionamento, tirar o capacete, parecia um maluco. Tiro o capacete, a mala e escrevo. Ainda bem que não perdi porque acho mesmo que é uma frase que faz a música.

“O Afonso é um rapaz muito sonhador, extremamente sonhador”

Fora dos estúdios, fora dos palcos, fora de tudo isto que é a música, quem é o Afonso?

O Afonso é um rapaz muito sonhador, extremamente sonhador. Eu passo os meus dias, desde o momento em que acordo até o momento em que me deito, a pensar o que é que eu posso fazer que ainda não foi feito ou se já foi feito o que é que eu posso fazer à minha maneira e de dar às pessoas, dar ao mundo e dar a mim também, porque há sempre este lado meio egocêntrico dos artistas.

O que é normal, uma pessoa quer também subir a um palco e ter milhares de pessoas a olhar para ela enquanto canta. Eu sou um leãozinho [de signo], há sempre este lado dos grandes palcos.

Voltando ao Afonso, é um sonhador, é um rapaz que gosta muito de estar com os seus amigos, gosta muito de experimentar e de fazer coisas novas, gosta muito de chegar ao final do dia e sentir que esse dia valeu a pena e que foi bem aproveitado.

Eu infelizmente, apesar de ser crismado, não tenho nenhuma crença, atualmente sou ateu. O que faz com que eu tenha muito receio da morte, porque para mim não há nada depois. Isso faz com que eu viva os meus dias a querer aproveitar ao máximo, porque se estamos aqui um número limitado de anos, quero aproveitar, quero estar com os meus amigos, quero estar com a minha família, quero pensar em projetos e sonhos para ter e concretizá-los. Por isso, o Afonso é um sonhador, é um bom amigo, é um bom filho, acho eu, e acima de tudo é uma pessoa feliz ou que tenta ser feliz, não sendo atualmente crente.

Afonso Dubraz: “é essa parte da espiritualidade que acho que é inacreditável”

Tens noção que a tua escrita é espiritual

Eu comecei a ter um pouco essa noção à medida que fui recebendo os feedbacks das pessoas e isso aconteceu muito, mas mesmo muito com o ‘Amanhã’.

Foi uma música que apesar de não ter “batido” tanto quanto eu queria, infelizmente, mas ainda pode vir a bater, porque acho que é uma música que de certa forma não é tanto aquela música de consumo rápido, acho que é uma música que vai envelhecer como o vinho, vai envelhecer bem com o tempo mas foi uma música que tocou muito nas pessoas a quem chegou.

Até tenho algumas histórias que até para mim, eu senti com uma espiritualidade imensa.

Houve por exemplo uma senhora que me mandou uma mensagem às 11 da noite de um dia de semana a dizer “olha Afonso desculpa a hora tardia e pronto eu sei que isto se calhar é um pouco invasão de privacidade mas queria só mandar esta mensagem para te dizer que acabei há uns minutos atrás de saber que estou à espera de um bebé, não é uma gravidez nem desejada nem pensada, não queria ter este filho, estava em pânico não sabia o que fazer, não sabia a quem contar, a minha vida do nada desmoronou-se, meti-me num carro para dar uma volta e pensar, e assim que entrei no carro liguei a rádio e assim que ligo a rádio começam os acordes iniciais do Amanhã, que eu nunca tinha ouvido e era só para te dizer que passados 5 minutos vai nascer uma criança graças a ti”.

Ainda agora me emociona porque acho que é essa parte da espiritualidade que acho que é inacreditável, uma coisa que tu escreves dentro das tuas 4 paredes, no teu quarto, e que do nada na outra ponta do país, eu acredito que a criança fosse nascer de qualquer forma, mas do nada na outra ponta do país, uma pessoa manda-te uma mensagem destas, vai nascer uma criança graças à música que tu fizeste”

“Será que isto vai dar e vai funcionar? Será que eu fiz mal? Porque é que não dá?”

Para 2025, o que há de novidades?

A nível da agenda nós ainda estamos a marcar coisas, porque faz parte das dores de crescimento. Há um projeto novo que está a começar, há muitos projetos aí e muitos projetos com mais visibilidade, por isso ainda estamos a tentar ganhar o nosso espaço no mercado para conseguir ter mais e mais concertos.

É uma coisa que vai acontecendo com o tempo, irão haver alguns que irei depois anunciar com tempo.

Há dúvidas que surgem em ti nesses momentos?

Sim há dúvidas, do género, será que isto vai dar? Porque eu larguei o mundo extremamente seguro para vir para aqui. Será que isto vai dar e vai funcionar? Será que eu fiz mal? Porque é que não dá? As músicas são giras. Mas a verdade é que tem estado a dar, com o tempo as coisas têm estado a acontecer ao seu ritmo e eu acho que é importante saborear a velocidade das coisas.

Se calhar, daqui a uns anos, eu vou estar onde quero chegar e olho para trás e penso, aquela altura é que era gira, a altura de andar dia-a-dia a tentar, a tentar, a tentar e ir conseguindo ter aquelas pequenas vitórias.

Vamos ter canções novas?

Vamos ter imensas, imensas canções novas.

Um novo disco?

Não irá sair o disco todo. Efetivamente já acabei o meu segundo álbum.

“Nesta fase inicial é importante continuar a explorar esta identidade do Afonso Dubraz”

É no mesmo registo que o primeiro?

Tem coisas que se mantêm porque eu acho que nesta fase inicial é importante continuar a explorar esta identidade do Afonso Dubraz.

Portanto, há algumas coisas que se mantêm.

Mas depois há um conjunto de mundo novo que eu adoro e que nada tem a ver com esse primeiro álbum. Temos, por exemplo, os primeiros temas que vão sair ou pelo menos o primeiro é assumidamente mais pop e mais americano, mantendo as letras e tudo mais, mas é mais pop e mais americano, uma coisa assim mais radiofónica, é assumidamente radiofónica.

Depois tenho uma bossa nova, tenho um blues dos anos 90, tenho um funk americano. Estou a fazer também uma coisa assim mais country, mais rock, mas que ainda não sei se fica para este disco.

Acabei por explorar imensa coisa diferente, está tão giro, é que está mesmo giro.

Eu acho que este segundo álbum é melhor que o primeiro, adoro o primeiro, e vai ser sempre o primeiro, mas este segundo tem ali muita coisa gira e a nível de coisas que vão sair.

Antes do verão sai a primeira música deste novo projeto e depois a ideia será dividir este álbum em dois EP’s, uma primeira parte e uma segunda parte.

Isto é tanta coisa e tão diferente que eu acho que é importante ir dando também aos poucos, mas vem muita, muita música nova.

Numa única palavra como te define como homem e músico?

Eu vou dizer-te a palavra que já repeti mais vezes nesta entrevista. Sonhador, pode ser ou não? Achas que é demasiado clichê?

Para mim pode ser.

Fotografias: Promoção Afonso Dubraz / Warner Music Portugal / Rita XS

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