Kajo Soares lança “Sopros e Guitarradas” e revela: “Quero fundir o fado com a alma do saxofone”, assinalou.
Um novo nome a afirmar-se na música portuguesa
O músico e compositor Kajo Soares lança o seu primeiro álbum a solo, “Sopros e Guitarradas”, um projeto que une o fado tradicional à inovação do saxofone.
Em entrevista exclusiva ao Infocul.pt, o artista fala sobre as suas origens, as suas influências, o percurso académico e o processo criativo deste trabalho que já começa a dar que falar no panorama musical português.
As raízes e o início do percurso musical
Quando surgiu este gosto pelo saxofone?
KS: Este gosto surgiu quando era criança, com os meus 9 anos de idade, na banda da Sociedade Filarmónica Harmonia Reguenguense.
A “casa mãe” que moldou o músico e o homem
És natural de Reguengos de Monsaraz, Alentejo, e integraste a Sociedade Filarmónica Harmonia Reguenguense. Qual a importância desta entidade, naquilo que depois seria o teu percurso como músico?
KS: Como costumo dizer, a SFHR é a minha “casa mãe”, onde estive cerca de 21 anos e onde aprendi muito mais do que música. Foi nesta instituição que iniciei a minha formação musical, inicialmente no solfejo, depois na aprendizagem de um instrumento e, finalmente, como músico saxofonista da banda.
Para além da música, desenvolvi também valores como o respeito pelos mais velhos, companheirismo, amizade e o saber partilhar e tocar em conjunto. E não menos importante, desenvolvi amizades e aprendizagens que trago para a vida!
A importância do estudo e da formação contínua
Passaste também pelo Conservatório Regional do Alto Alentejo, Hot Clube Portugal e pela Berklee College of Music (Valência). Estudar foi sempre um prazer?
KS: Sim, sem dúvida! Acredito que nunca devemos parar de aprender, tanto na música como em qualquer outra área. O desenvolvimento e melhoria contínua fazem parte do meu “mindset”, pelo que tenho tentado sempre continuar a explorar novos caminhos na música, com especial foco na improvisação, quer no Jazz como no Fado. Para além destas escolas, também tive aulas particulares de Saxofone com o músico Edgar Caramelo, com quem desenvolvi linguagem jazzística e aprendi mais sobre performance musical ao vivo.
Da gestão à música: um equilíbrio improvável
Segundo o que pesquisei sobre ti, também te formaste em gestão. De onde surgiu este gosto? Fazendo aqui um trocadilho, és um músico poupado ou criativo para gerar riqueza através da arte?
KS: É verdade, estudei Gestão no ISEG (Licenciatura, Mestrado e MBA) e na Stanford Graduate School of Business, nos EUA (curso de gestão e liderança). Esta foi a minha formação de base, que me ajudou na carreira que tenho vindo a desenvolver no mundo empresarial até aos dias de hoje. Na atualidade desempenho funções de gestão num banco multinacional.
Por outro lado, o gosto por esta área surgiu muito jovem. Diria que foi durante a minha adolescência.
A título de curiosidade, gostaria de contar um episódio relativo à minha primeira banda de covers, com os meus amigos da SFHR.
Naquela altura, nós precisávamos de comprar o nosso próprio material de som, para sermos autónomos nos nossos ensaios e concertos. Lembro-me que, de forma muito natural, fiz um planeamento financeiro muito básico, mas que nos permitiu comprar o material necessário, através da venda de “rifas”, sem precisar de pedir ajuda financeira dos nossos pais.
Confesso que gostei bastante da parte do planeamento e, através da execução deste projeto, senti um “clique” e curiosidade para explorar o mundo da Gestão. Tendo por base o exemplo acima, diria que tento ser “criativo para gerar riqueza através da arte”. [sorri]
As lições dos mestres e a inspiração de António Chainho
No teu percurso foste cruzando com vários artistas que têm já carreiras consolidadas. Quais as principais aprendizagens com eles, foram mais técnicas ou emocionais?
KS: Creio que um misto das duas.
Com todos eles aprendi bastante, não só em termos musicais/ técnicos, mas, acima de tudo, na experiência de palco que nos dá consistência, enquanto músicos e artistas.
Do ponto de vista emocional, destaco a humildade e a simplicidade do mestre António Chainho, que deveria servir de base a qualquer músico ou artista, independentemente do nível de sucesso que atinja. Neste caso, o Mestre António Chainho alcançou tudo o que qualquer músico pode ambicionar e deu “novos mundos” à guitarra portuguesa.
Da minha parte, ter tido a oportunidade de tocar com ele em diversas ocasiões, ouvir as suas experiências e comprovar a forma amiga com que sempre trata toda a gente é uma inspiração, que só está ao alcance dos melhores.
“Sopros e Guitarradas”: a fusão entre o fado e o saxofone
Este ano, lanças o teu primeiro disco a solo. Que disco é este e como o caracterizas?
KS: O disco “Sopros e Guitarradas” é um disco de fado, que concilia a tradição do fado com a inovação do saxofone. Este disco procura fundir a tradição do fado com uma roupagem moderna e atual, onde o saxofone e a guitarra portuguesa são os elementos comuns, quer num registo instrumental, como num registo cantado.
Entre o saxofone, a guitarra portuguesa e a voz
Neste trabalho cantas, tocas guitarra portuguesa e saxofone. Em termos de timbre acredito que já te tenham dito que há semelhanças com António Zambujo. Preferes a vertente de instrumentista ou intérprete vocal?
KS: Diria que gosto de combinar as três vertentes e que é por esse caminho que pretendo seguir, apesar de ser inegável que o saxofone é a minha raiz. Porém, acredito que posso ser um artista mais original e completo se conciliar estas três vertentes nos discos e em espetáculos ao vivo.
Em relação ao facto de o timbre ser parecido, é verdade… já me disseram algumas vezes que o meu timbre é parecido com o do António Zambujo. Pessoalmente, eu concordo e até levo esses comentários como um elogio, pois considero que é um dos melhores artistas portugueses de sempre e que muito admiro.
Quanto ao facto de o timbre ser parecido, é algo que faz parte de nós e, em relação a isso, não há muito a fazer. Não obstante, considero que devemos ter o respeito artístico para não imitar e é isso que tento fazer.
A construção do alinhamento e as vozes convidadas
Quais os critérios que usaste para definires o alinhamento do teu primeiro disco, visto que é sempre “o cartão de apresentação”?
KS: Numa fase inicial gravei três temas instrumentais, pois pretendia entender qual seria a reação do público a um projeto instrumental de fado com o meu saxofone. A reação foi surpreendentemente positiva e encorajadora, acabando por avançar para a gravação do resto do disco.
Tendo em conta que se trataria de um disco de 12 temas, decidimos conciliar o registo instrumental com algumas vozes fadistas de gerações diferentes, mas que têm como denominador comum a paixão pelo fado.
Neste projeto, tentámos conjugar a utilização de fados tradicionais com fados canção/musicados e marchas populares, para que existam experiências diferentes e interessantes dentro do próprio disco.
Neste processo tive o apoio do meu amigo Gustavo, que é o diretor musical do projeto, bem como do Pedro Guimarães, como produtor.
Colaborações e cumplicidades musicais
Tiveste também vários convidados nele. A escolha foi ponderada? Houve algum artista que gostasses que estivesse no disco e não esteja?
KS: Sim, neste disco tivemos vários convidados instrumentistas, mas nas vozes destaco a Carolina Varela Ribeiro, o Gustavo, a Teresa Tapadas e o António Pinto Basto. Todos eles são detentores de qualidade e identidade muito próprias. São também amigos com quem tenho atuado ao vivo e por estas razões, considerei que estas vozes trariam o espírito pretendido para este projeto!
No futuro pretendo colaborar com outras vozes, quer no fado, quer em outros estilos musicais. No entanto, para este primeiro trabalho, fiquei bastante contente e grato com estes amigos que aceitaram participar.
Um concerto abençoado no Caixa Alfama
No final de Setembro, atuaste no festival Caixa Alfama. O concerto inicialmente seria no rooftop do Terminal de Cruzeiros, mas devido ao mau tempo foi na Igreja de Santo Estêvão. Foi um concerto abençoado?
KS: Diria que sim! O agravamento das condições meteorológicas poderia ter comprometido o espetáculo e confesso que as horas anteriores foram desafiantes. No entanto, a mudança para a Igreja de Santo Estevão tornou este concerto ainda mais especial, tendo em conta a simbologia inerente ao local.
Assim sendo, foi um concerto abençoado e só tenho a agradecer a todos os envolvidos, que transformaram este desafio (externo e inesperado) numa oportunidade.
A reação do público e o crescimento do projeto
Como sentiste a reação do público ao trabalho que apresentaste?
KS: Até ao momento tenho sentido um grande apoio, apreço e curiosidade, por parte do público em geral. Devo salientar que os eventos de “Em Casa d’Amália”, na Golegã, e o “Caixa Alfama” fizeram chegar este projeto a muitas pessoas que não me conheciam. Nesse sentido, esta tem sido uma viagem muito gratificante, apesar de ainda estar no seu início.
O saxofone e o carinho do público
O saxofone não é o instrumento mais “comercial” em Portugal. O público tem-te mostrado curiosidade em saber mais sobre ele? Alguma pergunta mais divertida que já te tenham feito?
KS: Apesar de não ser o instrumento mais “comercial”, sinto que as pessoas gostam muito do som do saxofone, nem que seja num registo mais de sunset cocktail ou jazz. No fado tem existido alguma surpresa e também curiosidade em ouvir mais. Algumas pessoas já conheciam o trabalho de Rão Kyao e de outros saxofonistas, contudo há quem nunca tivesse ouvido o saxofone neste registo.
Não destacaria nenhuma “pergunta divertida”, mas acho imensa graça quando, nos concertos ao vivo, as pessoas se empolgam e me dizem algumas palavras carinhosas (que não deixam de ser engraçadas), tais como “o rapaz do saxofone”, ou quando se referem ao saxofone como “trompete”, “gaita”, “pífaro” ou até “o apito”.[sorri]
Onde comprar o disco “Sopros e Guitarradas”
Onde podem as pessoas comprar o teu disco?
KS: podem comprar online, nas lojas FNAC ou diretamente comigo.
Agenda e próximos concertos
Por fim, como está a agenda de espectáculos e quais pretendes destacar?
KS: Após a apresentação no Caixa Alfama, teremos em breve um espetáculo em Ermidas do Sado, a 24 de outubro. Temos também tido a oportunidade de apresentar o trabalho em várias FNACs, na zona de Lisboa.
A última atuação ocorrerá na FNAC Almada, no dia 29 de Novembro, pelas 17h. Paralelamente, já estamos a planear vários concertos e apresentações para o final do ano e, também, para 2026.
Convido todos a estarem atentos e a seguir estes “Sopros e Guitarradas” nas redes sociais e nas plataformas digitais, para que estejam a par das novidades!
Uma nova voz no fado contemporâneo
Com “Sopros e Guitarradas”, Kajo Soares mostra que a música portuguesa ainda tem espaço para inovação, emoção e autenticidade.
O saxofone encontra a guitarra portuguesa, e o fado ganha uma nova respiração — feita de tradição, improviso e alma.




