Lenita Gentil brilhou no Caixa Alfama com fado, humor e irreverência, no palco do Museu do Fado.
“Nem um cigarro me conforta, Nem o luar hoje me abraça” mas abraçou e confortou Lenita
A primeira noite no Caixa Alfama continuou com a força da alma lusa, recheada de saudade e esperança.
Lenita entrou melancólica mas com o poderio de voz característico. Com um xaile branco de amor e um sorriso que se pega, encheu o átrio do Museu do Fado de alegria e comemoração dos seus antepassados do fado e da cultura que tão bem transporta no corpo e na voz.
“Jantaram? Eu não, queria caber neste vestido e então não jantei”, continuou com a sua alegria. “É um prazer estar aqui para cantar para pessoas tão bonitas que estão aqui à minha frente.”
Continuou o espetáculo com homenagem a Amália Rodrigues com “Andorinha”, e os versos finais foram apoteóticos. Lenita é arte, é humor e é vontade de viver. É neste caos artístico de Roma, sentido e bonito, que se transcreve um fado que soa diferente na sua voz. Um caos organizado — que é o que a arte deve ser, sem politicamente correto e sem arrependimentos.
“Pistoleira e Cigana” tal como Carmen e tal como Lenita
“Vou cantar um tema sobre uma cigana porque eu gosto de ciganos. Uma vez uma cigana quis vender-me um porta-moedas da Louis Vuitton. Tinha eu uma mala da Louis Vuitton e ela disse que ficava bem. E viu que era verdadeira”, diz ao público. “Então pediu-me a mão para ler a sina e disse: ‘Noutra encarnação foi pistoleira, cigana e prostituta’. [risos] Vejam bem!”, riu-se.
Entre o riso total do público, ouvimos então o tema “Carmencita”, ao saber-se que noutra vida longínqua Lenita teria sido uma pistoleira numa cidade do Oeste. E partimos para fado com o sistema a pensar em westerns.
A homenagem aos ícones de Lisboa e suas ruas e ruelas teve sucessão com “Lisboa” da autoria de Artur Ribeiro e Ferrer Trindade. “Hei-de beijar com ternura, as tuas sete colinas, e vou andar à procura, de mim pelas esquinas. E tu, Lisboa, hás-de vir aqui ao cais”.
Homenagem a Fernanda Maria que “não jogava à bola”
“Agora é um fado mesmo fado à séria, que é o ‘Triplicado’.” E foi no último verso que a sua voz estremeceu o Museu do Fado, e colocou-o a vibrar.
“Vou fazer uma grande homenagem a uma grande fadista que nos deixou há uns meses, Fernanda Maria. Ninguém falou dela. Vi só passar em rodapé na televisão. Miserável.”, desabafou a fadista. Do público ouviu-se: “Não jogava à bola.” Aliás, é de enaltecer esta interação com o público, que estava recetivo e animado. Especialmente quando Lenita revelou que irá lançar um novo álbum já em outubro, no Museu do Fado: “Ó doutora, tem de ampliar o Museu do Fado para caberem cá mais pessoas!”.
“Está a vir barulho daquele lado, mas vou tentar cantar sem microfone.” E conseguiu! Ficando ainda mais intimista, com o público atento e a ajudar no refrão, para aplausos finais climáticos, em Não passes com ela à minha rua.
Irreverência e interação com o público
“Lá vão eles para outros palcos”, disse quando o público começou a sair para se dirigir a outros concertos, pois o Caixa Alfama não pára. “Traidores!”, comentou a rir-se, mas agradecendo a presença. Depois, com mais pessoas a entrar no recinto, que estava preenchido, disse: “O que vale é que entram uns e saem outros.”
“Existiram grandes compositores. Sem máquinas atrás. Só à frente, que era a televisão”, disse, falando de Maximiano De Sousa, “Max”.
“Quanto tempo me falta? Um quarto de hora? Num quarto de hora faz-se muita coisa… cantam-se dois fados.” E cantou “Júlia Florista”. “Ainda dá para o Tango?” Olhando para o lado, disse ao público que já não teve entrada: “Olá! Aí têm uma aberturazinha, dá para ver. Fazem bem.”
E com irreverência disse: “Vamos para mais uma, depois não digam que sou eu.” Antes, abraçou a filha de Luís Caeiro, que “queria ver a tia”, como a própria contou.
Gratidão ao público e amor por Lisboa
“A maior parte dos meus colegas não falam dos autores e é muito importante falar-se deles.” Nesse momento o guitarrista começou a tocar e Lenita respondeu: “Espera aí, filho! Ainda temos tempo, amor!”. E partiu para mais temas rebeldemente.
Ao terminar, Lenita disse: “Obrigada a todos por estarem aqui, são o melhor público do Caixa Alfama! O melhor!”. Terminou com uma marcha da cidade, com gritos taurinos de “Olé” do público.
“Minha querida Lisboa, minha linda Lisboa”, foi das frases que disse e marcaram a noite, o Caixa Alfama e o panorama musical nacional.




